O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar na quarta-feira (20/3) se o ex-jogador de futebol Robinho cumprirá no Brasil a
pena de prisão por estupro coletivo.
Robinho
foi condenado em 2017 na Itália a nove anos de prisão por ter abusado sexualmente de uma mulher junto com outros
homens em uma boate em Milão em 2013.
O ex-jogador estava no Brasil quando todas as
possibilidades de recurso se esgotaram no ano passado, o que levaria à sua
prisão.
Mas,
como ele não estava na Itália e a legislação brasileira não permite a
extradição de cidadãos do país, o governo italiano pediu que ele cumprisse sua
pena no Brasil.
O
Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer a favor desse pedido.
O
STJ vai agora decidir, em sessão transmitida ao vivo, se ele pode ser preso no
Brasil ou não.
A
BBC News Brasil procurou a defesa do ex-jogador para comentar o caso, mas não
recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Robinho
afirmou ser inocente e ter sido condenado injustamente em um vídeo publicado
nas suas redes sociais.
"Estou
comprometido em provar minha inocência e lutar pela justiça verdadeira",
disse o ex-jogador.
O
caso de Robinho vai a julgamento pouco tempo depois de outro jogador de futebol
brasileiro de renome internacional, Daniel Alves, ser condenado à prisão por estupro.
Mas,
ainda que o tribunal se manifeste a favor do cumprimento da pena de Robinho no
Brasil, isso não significa que o ex-jogador será preso imediatamente, explicam
especialistas à BBC News Brasil.
A
condenação de Robinho por estupro
Robinho,
ex-jogador da seleção brasileira, foi condenado na Itália por ter abusado
sexualmente de uma jovem albanesa em uma boate de Milão em conjunto com outros
cinco homens em 2013.
Na
época, ele jogava pelo Milan, um dos principais times da cidade italiana.
A
vítima tinha 23 anos na época e não teve o nome divulgado no processo.
O
jogador negou as acusações, mas escutas feitas em seu carro, autorizadas e
confirmadas pela Justiça italiana, validaram a versão da vítima, segundo disse
uma das juízas ao longo do processo.
Em
uma das gravações, divulgadas pelo site Globoesporte.com em 2020, o jogador
diz: "Estou rindo, porque não estou nem aí, a mulher estava completamente
bêbada, não sabe nem o que aconteceu".
A
sentença foi confirmada em outras instâncias e deixou de ter possibilidade de
recurso em janeiro de 2023, quando foi confirmada definitivamente pela Justiça
italiana. No jargão jurídico, a decisão transitou em julgado.
Robinho
disse nas redes sociais que a Justiça italiana "cometeu erros gritantes e
gravíssimos" no julgamento e negou que tenha havido estupro.
O
ex-jogador também disse ser vítima de racismo. "Tenho absoluta certeza que
se fosse com um europeu, se fosse com um branco, com certeza meu julgamento
teria sido totalmente diferente."
Em
uma entrevista na TV também no domingo, o ex-jogador disse que seu caso é
"totalmente diferente" do caso de Daniel Alves, que foi condenado a
quatro anos e meio de prisão por estuprar uma jovem no banheiro de uma boate na
Espanha em 2022.
"Pelo
pouco que vi, a vítima foi buscar seus direitos logo após. No meu caso, a
mulher que me acusou foi depois de quatro meses procurar a Justiça", disse
Robinho à emissora Record.
A
Itália chegou a pedir a extradição do jogador para a Europa. Mas a Constituição
do Brasil não permite que cidadãos do país sejam extraditados.
Foi
emitido então, em fevereiro de 2023, um pedido de prisão internacional do
jogador. Isso significa que, caso saia do Brasil, ele pode ser preso e enviado
para a Itália.
O
governo italiano também solicitou ao Ministério da Justiça brasileiro a
homologação da sentença.
Ou
seja, que a condenação fosse reconhecida pela Justiça brasileira e que a pena
fosse cumprida no Brasil.
O
pedido foi encaminhado pelo ministério ao STJ, a quem compete analisar casos
assim.
O
que esperar do julgamento no STJ
O
STJ não vai julgar novamente a acusação contra Robinho, apenas decidirá sobre a
possibilidade de que ele cumpra a pena no Brasil.
Para
que a transferência da execução de uma pena seja aceita, são necessários alguns
requisitos previstos na Lei de Imigração:
ser
cidadão brasileiro ou residente no Brasil;
ser
uma decisão final (trânsito em julgado);
pena
maior que 1 ano;
a
atitude também deve ser considerada crime também no Brasil;
haver
tratado ou promessa de reciprocidade (significando que a Itália se compromete a
executar uma pena a italiano condenado no Brasil).
O
MPF disse que o caso de Robinho cumpre tais requisitos.
O
subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos defendeu em seu
parecer que não havia nenhum impedimento legal para o cumprimento da pena no
Brasil.
A
defesa de Robinho alegou, no processo, que a homologação da sentença contraria
a Constituição, porque violaria o veto à extradição de brasileiros.
Sua
defesa também alegou que o tratado de extradição usado pelo governo da Itália
no pedido não permite a transferência da pena para o país de origem do
condenado.
Alamiro
Velludo Salvador, professor de direito penal da Universidade de São Paulo
(USP), explica que o STJ vai decidir se a impossibilidade de extradição de
brasileiro significa que um brasileiro não pode ser submetido a uma autoridade
criminal estrangeira e, portanto, a transferência da execução da pena não seria
possível.
"Isso
não está expresso na lei”, explica Velludo, que aponta, no entanto, que há
juristas que entendem que o veto à extradição não se estende à transferência da
pena.
Em
seu parecer, o MPF citou o entendimento de Davi Tangerino, professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que defende que a Lei de Imigração não
impede que o brasileiro seja submetido à execução de pena privativa de
liberdade estrangeira.
O
MPF também defendeu que a medida está de acordo com os direitos constitucionais
e afirmou que aceitar os argumentos de Robinho levaria à
"impunidade".
O
STJ vai julgar o processo em sua Corte Especial, colegiado formado pelos 15
ministros mais antigos do tribunal, na quarta-feira a partir das 14h, com
transmissão ao vivo pelo canal do STJ no YouTube.
Os
advogados farão suas sustentações orais, e, em seguida, o relator dará seu
voto. Em seguida, os outros ministros se manifestarão, por ordem de
antiguidade.
Eles
podem, no entanto, fazer um pedido de vista para ter mais tempo para analisar o
caso. Isso paralisaria temporariamente o julgamento por até 90 dias, prazo para
processos sob pedidos de vista serem devolvidos.
Robinho
pode ser preso no Brasil?
Caso
o STJ aceite a transferência da pena, isso não significa que Robinho começará a
cumprir a pena imediatamente, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil.
Isso
porque sua defesa ainda poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para
questionar se a decisão está de acordo com a Constituição.
Tanto
Salvador quanto Abramo pontuam ainda que não está claro se Robinho poderia
seria preso após o STJ decidir pela execução da pena ou se aguardaria a decisão
do STF em liberdade.
Os
criminalistas lembram que ninguém pode ser preso no Brasil se o processo não
transitar em julgado em caso de sentença penal condenatória.
No
caso, há uma condenação penal que transitou em julgado — mas na Itália, não no
Brasil.
Então,
explicam os advogados, haveria ainda uma discussão jurídica sobre a
possibilidade ou não de aguardar em liberdade por uma decisão do Supremo.
O
tempo que uma decisão do STF pode levar é conhecido por ser imprevisível,
destacam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
É
uma prerrogativa do presidente da Corte decidir quando um caso é colocado na
pauta de julgamentos. Os ministros também podem fazer pedidos de vista.
“Algo
que pode apressar as decisões é o fato de envolver uma personalidade conhecida,
em um crime sexual, e também pela pressão diplomática das autoridades
italianas”, diz Abramo.
Como
o cumprimento de pena de prisão em território nacional de algum brasileiro
condenado no exterior é algo inédito, também poderia ser discutido como seria a
execução da pena, afirma Velludo.
Por
exemplo, o tempo de progressão de regime fechado para regime semiaberto e
aberto.
O
mais provável é que sejam seguidas as regras brasileiras, não italianas,
afirmam os advogados ouvidos pela reportagem. Neste caso, caberia ainda ao STJ
decidir sobre os ajustes necessários.
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