(*) Percival Puggina
Assisti
parte das duas sessões do STF em que os ministros retomaram as deliberações
sobre limites para a posse de maconha pelos consumidores. Não consigo me
habituar à onipresença, onisciência e onipotência que caracterizam as atuações
e manifestações de suas excelências. São predicados que ficam muito bem em
Deus, mas soam alarmantes quando assumidos por seres humanos.
Os
primeiros efeitos dessa inclinação são: a perda da noção dos próprios limites,
a perda do senso de proporção (a “tabuada do 10” ajuda para isso) e a invasão
de competência dos outros poderes (as tais quatro linhas que ninguém deveria
ultrapassar).
No
presente caso, o Supremo discute a diferença entre posse e tráfico na relação
entre venda e consumo, a partir da quantidade de maconha em mãos de pessoa
abordada em atividade policial. As apostas começam com 10g, passam por 25g e
chegam a 60g e sinalizam que este último será o peso vencedor. Já que é para
consumo pessoal, que não se restrinja a demanda.
Em
diversos tipos penais existe relação entre fornecedor e consumidor, quer o
objeto da venda seja arma sem origem, para-choque de fusca 1959 ou maconha. Em
todos os casos, os dois lados do balcão cometem crime tipificados. No caso da
maconha, o legislador já concede tratamento privilegiado ao consumidor, ao
determinar que ele não seja preso, mas submetido a algum tipo de
constrangimento que o tribunal vem chamando “administrativo”.
A
ralé conservadora e direitista, a quem o Estado não ouve, sabe que os estados
paralelos do mundo do crime logo serão maiores do que o Estado e só existem com
tal extensão e audácia porque existem os idiotas do consumo e seus protetores.
A turma cuja opinião não interessa, paga as contas do Estado, os luxos das
muitas cortes e sofre com as consequências do tráfico e do uso de drogas. Ela é
inteiramente contra qualquer medida que possa ser entendida como
“descriminalização” do consumo ou sinalize sua insignificância. Todos os dias,
milhões de brasileiros são de algum modo infernizados por esse comércio infame,
seus operadores e seus consumidores. Segundo a OMS, 12 milhões de brasileiros o
são!
Não
estou incluindo na lista dos incômodos que menciono as muitíssimas ocasiões em
que, assistindo a algum filme Netflix ou Prime Vídeo, aparecem em cena
simpáticos vovôs e vovós, papais e mamães, moderninhos e “progressistas”,
compartilhando um baseado com filhos e netos, em meio a risos desconectados da
realidade, tão frouxos quanto psicóticos. Tenho ganas de ir à polícia fazer um
B.O.. Naturalizar o consumo de drogas é estimulá-lo.
Que
o parlamento cumpra seu papel, reflita o pensamento majoritário da sociedade e
seja sensível à ameaça que pesa sobre o país. Hoje, o Brasil caminha para se
tornar um narcoestado.
(*)
Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do
Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e
em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara,
Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma
centena de jornais.
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