Eu também quero o direito a uma saidinha

 



(*) Valter Bernat

 

A “saidinha”, como é conhecido o direito previsto em lei que permite a saída temporária de presos em regime semiaberto está prevista na Lei de Execução Penal que entrou em vigor em 1984. A norma foi baixada pelo então presidente da República João Figueiredo, portanto, durante a ditadura militar.


Esta lei considera que um dos objetivos da execução penal é a ressocialização. A fim de isto ser possível, foram criados diversos institutos voltados à adaptação paulatina de um preso para seu possível retorno à sociedade; como a progressão de regime e as saídas temporárias. A medida, por enquanto, vale apenas para detentos que estejam no regime semiaberto, apresentem bom comportamento e já tenham cumprido ao menos um sexto da pena e que não tenham cometido crime hediondo.


Se contarmos desde 2018, 34 mil presos, mais ou menos 5% da população carcerária cumpriram estes requisitos e saíram. Destes, 4%, ou seja, 1.700 não voltaram e continuam foragidos, ou seja, são 1700 criminosos condenados que estão à solta, cometendo toda sorte de crimes.


Apenas para lembrar dois casos mais recentes: Um policial foi morto por um preso numa “saidinha de Natal”. Outro, também em saidinha, estuprou uma adolescente de 17 anos. Ambos estavam gozando do benefício da saidinha. Vários casos estão na mídia para quem quiser ver. Presos cometendo os mais diferentes crimes durante sua saidinha.


Os defensores dos benefícios aos presos gritam pela “dignidade dos presos”, mas quem pensa na “dignidade das vítimas ou de sua famílias”? A pergunta que não quer calar, e que não obtive resposta, nem via IA e nem via Google: quantos presos foram realmente socializados, com ou sem este benefício?


A Câmara dos Deputados aprovou o PL e terminou com a saída temporária de detentos para visitar parentes e amigos, a chamada “saidinha”. O texto aprovado pela Câmara prevê que os presos saiam apenas para fazer cursos profissionalizantes ou para cursar o ensino médio ou superior, mas, o presidente Lula, talvez por ter sentido na pele o que é ser preso – mesmo com as mordomias que teve – vetou parte do PL. Vetou o trecho que impedia a saída temporária de presos que queiram visitar suas famílias, depois de cumpridas as formalidades legais.


Lula não deixou claro o porquê desse veto. Acho que na verdade ele está apostando que a Câmara derrube o veto, para ele ficar bem com a população de presos e com os apoiadores das saidinhas.


O Congresso avaliará o veto e, certamente, o derrubará por maioria, talvez até por maioria absoluta. O parecer do Ministério da Justiça referente à saída temporária de presos das cadeias diz que “impedir a visita às famílias atenta contra a dignidade dos detentos”. Ora, e a dignidade das vítimas?


Vamos aos fatos que interessam: quem diz que esses detentos irão realmente “visitar as famílias”? E, mais importante, ministro, quais desses detentos têm “dignidade” após roubar ou assassinar, um os dois, sem piedade durante este período?


Abrindo outra consideração, a decisão do presidente não se dirige às pessoas livres. Estar preso é uma situação que pode, naturalmente, inspirar solidariedade. Nosso lado humanitário fica mobilizado quando por exemplo, tomamos conhecimento do estado de certos presídios super lotados e com condições precárias, principalmente, no exemplo que eles mostram, onde mulheres estão afastadas de seus filhos ou netos. Pura novela mexicana.


A verdade é que ninguém está numa prisão por ter sido cidadão exemplar, salvo exceções por grandes e raríssimos enganos jurídicos. Precisamos é permitir prisões com dignidade para o preso. Ele precisa ficar recluso, cumprindo seus deveres de presidiário, em condições humanas adequadas e isso não inclui a possibilidade de progressão de regime. Pra mim, este é o maior problema de nosso Sistema Prisional.


Claro que já deu pra notar que sou contra as saidinhas. Não deveria ser uma possibilidade, posto que vai contra o princípio da restrição social para os que cometeram algum ato indevido.


Com nossas leis obsoletas e com alguns políticos e ONGs sempre defendendo as “vítimas da sociedade”, em breve a população em geral estará proibida de dar saidinhas até para ir na esquina, tal a falta de segurança e a impunidade.


Os detentos que, aparentemente, cumprem regras sem cometer infrações lá dentro, apenas cumprem seu dever de preso condenado. É seu dever. Devem cumprir pena no regime determinado até o final!


Se querem socializar com a família, que não cometam o crime. Cometeu? Enfrente a rigidez da lei. Simples assim.


A pergunta que não quer calar: quantos presos foram realmente socializados? Nossas cadeias são escolas do crime, e as saidinhas fazem com que os novos criminosos ajam a mando daqueles que estão lá dentro sem direito à saidinha por terem cometido crimes hediondos, mas que são chefes ou algo do gênero.


Eu quero ter direito a uma saidinha de vez em quando: sair para jantar e não ser assaltado; ir a qualquer lugar sem medo do que pode acontecer; poder andar com meu carro e estacioná-lo, sem risco de tê-lo roubado ou ser vítima de um arrastão na ida ou na volta. Quero atender meu celular onde e quando eu estiver, sem medo de tê-lo furtado. É um direito meu, garantido pela Constituição, como cidadão cumpridor das leis, mas o Estado, com sua política de segurança pública me impede de exercê-lo.


Há uma pseudo ameaça de os presos, revoltados com a medida, realizarem rebeliões nos presídios, caso este veto de Lula seja derrubado. Ora, se tivermos medo de presos rebeldes, vamos embora e deixemos que eles cuidem do país. Nós temos, ou pensamos ter, forças policiais suficientes pra reprimir estas possíveis rebeliões.


A realidade nos mostra que nós é que vivemos presos em casa.


Nossas casas e/ou portarias de prédios estão gradeados, com câmeras e sistemas de segurança; porteiros que são treinados pela própria Polícia Militar; olhando para os lados quando chegamos em casa antes de abrir a garagem. Frente de prédios e de casas, desenhadas por arquitetos, supostamente para ficarem bonitas, ficam em segundo plano com as grades. As cercas “concertinas” estão em todas as casas e em quase todos os prédios, alguns até com cercas eletrificadas, sem medo de ficarem “feias”, mas “mais seguras”.


Pensando melhor, vou pensar em abrir uma empresa que produza e venda tornozeleiras eletrônicas. Acho que é um nicho altamente rentável…


Não dá pra viver mais assim. Eu quero o direito à minha “saidinha”!


(*) Advogado, analista de TI e editor do site O Boletim.




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