O
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colocou em sigilo pelos
próximos cinco anos a lista das pessoas que ocuparam 57 quartos do hotel de
luxo JW Marriott Grosvenor House, em Londres. Ao todo, o governo brasileiro
gastou R$ 1,47 milhão com o estabelecimento, sendo R$ 140 mil para duas salas
de reuniões no hotel.
O
chefe do Poder Executivo brasileiro esteve na Inglaterra em maio para a coroação do rei Charles III,
que ascendeu ao trono após a morte de sua mãe, Elizabeth II. O governo foi
procurado por meio da Secretaria de Comunicação da Presidência, mas ainda não
se manifestou.
Além
da comitiva oficial, também ficaram no hotel os integrantes do chamado Escalão
Avançado (Escav) que é responsável pela preparação da viagem. O grupo
permaneceu no local de 26 de abril até 9 de maio. Lula chegou à cidade em 5 de
maio – o evento, na Abadia de Westminster, ocorreu no dia seguinte. O quarto em
que o presidente ficou hospedado com a primeira-dama Rosângela Silva, a
Janja, saiu por R$ 43.986,60 a diária. Ao todo, 80 pessoas
participaram da viagem.
“As
Comitivas Técnica e de Apoio são constituídas por servidores que atuam em áreas
meio para a viabilização dos eventos com a participação do presidente da
República. Assim, a relação dos servidores que compõem estas comitivas são
informações que são classificadas pelo Gabinete de Segurança Institucional no
grau de sigilo reservado, com fundamento no art. 25, VIII, do Decreto nº 7.724,
de 16 de maio de 2012″, disse a Casa Civil em resposta a um pedido da Lei de Acesso à Informação (LAI),
em 15 de fevereiro deste ano. Durante os governos de Michel Temer e Jair
Bolsonaro, o GSI já adotava conduta de classificar como reservados os
relatórios de viagens nacionais e internacionais dos presidentes da República.
Os documentos só são liberados cindo anos depois.
Mesmo
tendo negado acesso à lista das pessoas que se hospedaram no hotel, a Casa
Civil marcou a resposta como “acesso concedido”, como se tivesse entregado a
informação pedida. Como regra, todos os documentos do governo devem ser de
acesso público – o chamado princípio da publicidade está inscrito na
Constituição. No entanto, a Lei de Acesso à Informação estabelece algumas
exceções em que o acesso pode ficar restrito. O grau de sigilo pode ser
reservado (cinco anos); secreto (15 anos) ou ultrassecreto (25 anos).
Em
alguns casos, a Lei de Acesso também permite ao governo restringir o acesso a
informações por até 100 anos, sempre que se trate de “informações pessoais
(...) relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem”, independentemente
da classificação de sigilo. Como mostrou o Estadão, o governo Lula impôs o sigilo de 100 anos a 1.339 pedidos, que incluem
desde visitas recebidas por Janja e Lula no Palácio da Alvorada até telegramas
diplomáticos sobre o jogador de futebol Robinho, condenado na Itália por
estupro.
A
prática também era comum no governo de Jair Bolsonaro (PL), que impôs sigilo de
100 anos a informações requisitadas em 1.108 pedidos da Lei de Acesso à
Informação, segundo dados levantados pela ONG Transparência Brasil. De acordo
com relatório da organização, em vários casos houve mau uso do dispositivo da
Lei de Acesso por parte do governo. É o caso de informações sobre entrada e
saída de pessoas em prédios públicos, informações sobre a saúde de Bolsonaro
durante a pandemia de covid-19; e um processo disciplinar já encerrado contra
um ministro de Estado.
Durante
a campanha eleitoral de 2022, Lula prometeu acabar com o mecanismo do sigilo de
100 anos, e tirar da obscuridade informações classificadas pelo então
adversário. “No dia 2 de outubro, o povo vai te mandar pra casa. Farei um
decreto para acabar com seu sigilo de 100 anos para saber o que esse homem esconde
por 100 anos”, disse Lula a Bolsonaro num debate televisivo realizado pela TV
Globo em setembro de 2022. “É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um
decreto, um revogaço desse sigilo que Bolsonaro está criando para defender os
amigos”, disse Lula a uma rádio do interior de São Paulo, em junho de 2022.
GSI
nega lista de passageiros em viagens oficiais
O
GSI costuma recusar-se a fornecer a lista de pessoas que voam junto com o
Presidente da República durante as viagens oficiais. A alegação é a de que a
“exposição indiscriminada” dos nomes traria “prejuízos e vulnerabilidades para
a atividade de segurança presidencial”, como disse a pasta em resposta a um
pedido da Lei de Acesso de abril de 2023, sobre a comitiva de Lula à Argentina
e ao Uruguai, em janeiro daquele ano.
Tudo o que fica público, nestes casos, é a lista da comitiva oficial, que geralmente é composta apenas por uns poucos ministros. Essa lista é publicada no Diário Oficial da União. Além da lista de integrantes da comitiva para Argentina e Uruguai, desde janeiro de 2023, o GSI negou acesso à lista de passageiros que foram para a China e para Abu Dhabi, em abril. Na viagem a Londres, a comitiva oficial era composta apenas pelo assessor internacional da Presidência Celso Amorim; pela primeira-dama Janja e pelo embaixador do Brasil no Reino Unido, Claudio Frederico de Matos Arruda.
Diferentemente de outras viagens oficiais de Lula, a ida a Londres não incluiu uma pauta de negócios relacionada a diferentes áreas do governo -- outras viagens, que tinham escopo mais amplo, acabaram incluindo um número maior de participantes. Em dezembro de 2023, a delegação brasileira à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP-28, tinha 1.337 pessoas, incluindo empresários e políticos. Deste contingente, cerca de 400 viajaram com recursos do governo federal. Na viagem à China, em abril passado, foram cerca de 73 autoridades, entre integrantes do governo, políticos e sindicalistas. A Buenos Aires, em janeiro passado, viajaram com Lula cerca de 20 pessoas, incluindo seis ministros, um congressista (o deputado Marco Maia, do PT-RS), assessores e o fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert.
O Estadão
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