Na
quarta-feira, pela primeira vez um governo lulopetista acrescentou um grão de
sal à sua amizade fraterna com a ditadura chavista na Venezuela. O Itamaraty
manifestou “preocupação” após Caracas impedir a inscrição de uma candidata de
oposição, Corina Yoris. No dia seguinte, foi a vez de o presidente Lula da
Silva arranhar o tabu. Em entrevista coletiva, Lula se disse “surpreso”. “É
grave”, declarou, “não tem explicação jurídica e política.”
Yoris
era só uma candidata-tampão para substituir a líder nas pesquisas, María
Corina, inabilitada pelo Judiciário fantoche do chavismo. O Itamaraty foi duro
ao condenar as sanções internacionais ao regime de Nicolás Maduro, mas suave ao
condenar esse mesmo regime. A rigor, nem sequer o condenou, reiterando sua
crença de que seria possível fazer da eleição de julho, desde já injusta, “um
passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça
na Venezuela”.
Esse
inacreditável atestado de pusilanimidade está em linha com a relutância do
chefão petista em rasgar a fantasia e confessar que o rei está nu. Tanto que
Caracas conseguiu sustentar seu jogo duplo e enxovalhar o Itamaraty como lacaio
dos EUA, mas ainda assim agradecer a Lula pelas “expressões de solidariedade” e
pela condenação “às sanções que o governo dos EUA impôs ilegalmente”.
Longe
de ser exceção, a perseguição a opositores é há décadas uma regra de aço num
regime que sistematicamente oblitera candidatos da oposição, inabilitando-os,
prendendo-os ou forçando-os ao exílio. Mesmo assim, ainda em março, Lula – que
já disse que a Venezuela é democrática até demais, porque “tem mais eleições
que o Brasil” – se disse “muito tranquilo”, permitindo-se equiparar o processo
judicial de inabilitação de María Corina ao seu em 2018 e ainda recomendar a
ela que parasse de “chorar” e escolhesse um substituto. Foi o que ela fez, mas
essa candidata foi barrada por misteriosos “problemas técnicos” no prazo para a
inscrição.
Se
o governo anda “preocupado” não é por ter se dado conta de que as eleições na
Venezuela não são livres nem justas. O que talvez tenha deixado Lula “surpreso”
é que agora o regime nem sequer se dá ao trabalho de salvar as aparências e
maquiar o pleito como “livre e justo”.
Até
então, cada declaração de Lula sobre Maduro embutia seu aval ao regime
chavista. Foi assim quando o recebeu com pompa e circunstância na reunião da
Unasul ou quando declarou que o conceito de democracia “é relativo”. Lula já
afirmou que o único problema do regime chavista é uma comunicação inocente. Ele
seria “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”, disse Lula,
ao lado de Maduro. “É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que,
por tudo o que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que
a que eles têm contado contra você.”
Mas
quando o regime se recusa até a encenar a pantomima judicial e forjar um álibi
“jurídico e político” para sua delinquência, aí nem os fabulosos marqueteiros
do PT dão jeito. Tanto mais que as pesquisas indicam que a população brasileira
e seus representantes estão fartos de ver o governo lulopetista usando o Estado
brasileiro para bajular a frente ampla autocrática internacional que tanto
apraz a Lula. Talvez esse clima também tenha surpreendido Lula, obrigando sua
chancelaria a balbuciar sua “preocupação”.
Mas
a prova de que esse é só mais um jogo de cena fabricado por mera conveniência
político-eleitoral, que em nada altera a dogmática petista, foi a nota de
entusiasmo efusivo do PT com a eleição do autocrata russo Vladimir Putin,
seguida por um acordo de cooperação com o Partido Comunista de Cuba, os dois
sustentáculos do Estado policial do “companheiro” Maduro.
Nas
eleições de 2013, Lula veio a público dar seu testemunho aos venezuelanos:
“Maduro presidente é a Venezuela que Chávez sonhou”. Sem dúvida. O diabo é que
esse sonho é um pesadelo para os quase 8 milhões de venezuelanos que fugiram do
país, enquanto 90% dos que ficaram amargam a extrema pobreza, a violência
arbitrária do regime e a absoluta falta de liberdade. Para essa realidade, Lula
está muito longe de despertar.
Estadão
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