Em crise com Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), desde o ano passado, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) elevou o tom contra o ministro e anunciou a apresentação na Câmara dos Deputados de uma proposta que confronta com decisões do ministro.
O
acirramento do conflito com Moraes acontece em meio às insatisfações de aliados
do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o ministro, à disputa entre
os Poderes Legislativo e Judiciário em diferentes temas e também a menos de um
ano das eleições da Ordem, que definirão os próximos conselheiros federais e
cúpulas estaduais da entidade da advocacia.
Na
última quarta-feira (10), a tensão chegou ao auge quando, em um evento em Mato
Grosso do Sul, ao fazer um discurso crítico ao STF, o presidente da OAB, Beto
Simonetti, ouviu um "fora, Xandão" da plateia, e respondeu: "nós
vamos chegar lá".
Em
nota nesta sexta (12), ele afirmou que ouviu o grito como se fosse um
"fala do Xandão" e que sua declaração se referia a discutir sobre o
STF.
Simonetti
aproveitou o evento para anunciar a proposta que a OAB apresentará à Câmara com
a intenção impedir que o ministro negue pedidos de defesa presencial, a chamada
"sustentação oral", em recursos no Supremo.
O
objetivo, disse, é acabar "de uma vez por toda essa discussão de que o que
vale mais é o regimento de um tribunal [o STF] ou é Estatuto da
Advocacia".
O
discurso de Simonetti resvalou em decisões de Moraes contra o que o ministro
considerou ataques à corte e às instituições nas redes sociais.
Simonetti
disse que a liberdade de expressão não é absoluta, mas que a OAB não permitirá
que em nome da liberdade haja "absolutismo contra a liberdade de qualquer
forma, em qualquer tempo ou em qualquer campo".
"Nós
somos um país livre e seguiremos defendendo irrestritamente o direito à
liberdade de expressão", afirmou o presidente da OAB, cujo mandato à
frente da entidade vai até o início de 2025.
A
indisposição sobre o tema vem desde novembro passado, quando Moraes, que
preside a Primeira Turma do STF, negou manifestação da defesa de um réu por
contrabando de cigarros.
Moraes
afirmou que o regimento interno do STF não permitia sustentação oral nos
chamados agravos regimentais, e que esse entendimento prevalece sobre outras
normas.
A
negativa, à época, gerou uma nota da OAB a respeito do tema. A entidade disse
ter "preocupação com a flexibilização ou supressão do direito
constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal
Federal".
Depois
dessa ocasião, Moraes chegou a alfinetar a OAB em outras ocasiões nas quais
negou sustentações orais, como em um julgamento do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) ainda em novembro passado. O ministro é o presidente da corte
eleitoral.
"A
OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de
defesa, vai dar mais uns 4.000 tuítes dos meus inimigos, então vamos fazer a
festa do Twitter e das redes sociais", disse, ao afirmar que o regimento
não previa sustentação oral naquela ocasião.
Em
abril deste ano, houve um novo atrito entre a OAB e Moraes a respeito do mesmo
tema. O ministro rejeitou a sustentação oral de um advogado na Primeira Turma
do Supremo, e o criminalista Alberto Toron, que é conselheiro federal da Ordem,
pediu a palavra.
Toron
disse que uma lei de 2022 regulamentou o tema e permitia a fala ao advogado.
"Ambas as leis [a de 2022 e o regimento do STF] tratam do mesmíssimo
assunto, só que uma é posterior à outra e o critério da cronologia deveria
prevalecer", afirmou.
Moraes
discordou e se queixou da manifestação de Toron. O ministro disse que o
conselheiro da OAB foi à tribuna da Primeira Turma sabendo que não haveria
sustentação oral. "[Assim], Nós realmente vamos complicar a questão",
disse o ministro.
As
negativas viraram motivo para campanha da OAB contra o ministro, cujas insatisfações
foram manifestadas em encontros com a cúpula da Câmara dos Deputados.
Na
próxima semana, a Ordem pretende apresentar à Câmara o texto do que chamam de
"PEC (proposta de emenda à Constituição) do Devido Processo Legal".
Ao
contrário de uma lei ordinária, uma emenda à Constituição suplantaria
legalmente o regimento do Supremo, e Moraes não teria como impedir as
sustentações.
Procurado
por meio da assessoria do STF, o ministro Alexandre de Moraes não se manifestou
a respeito das críticas da OAB e do projeto que será apresentado à Câmara dos
Deputados.
Em
nota, a OAB disse que Simonetti interpretou o grito "fora, Xandão"
como "fala do Xandão" devido à lotação do auditório.
"Ao
término do evento, a pessoa que havia gritado 'fora Xandão' se aproximou do
presidente para cumprimentá-lo e admitiu ter sido ela quem gritou durante o
discurso. Foi nesse momento que o presidente Beto Simonetti percebeu o equívoco
de sua interpretação e esclareceu que jamais teria dado tal resposta se tivesse
compreendido corretamente o grito no momento", diz a nota da Ordem.
Em
momentos anteriores, a OAB também entrou em conflitos com Moraes, mas sempre
tentou mostrar que simpatiza com as ações do STF contra os acusados de
participarem de atos antidemocráticos desde a gestão do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL).
Neste
ano, após a Operação Tempus Veritatis, que investigou a suspeita de tentativa
de um golpe de Estado após a eleição de 2022, a Ordem questionou a decisão que
proibiu a comunicação entre investigados, "inclusive através de
advogados".
"Advogados
não podem ser confundidos com seus clientes", disse, à época.
Ao
responder ao questionamento da OAB, Moraes afirmou que nunca vedou que os
advogados das partes se comuniquem. Segundo ele, havia apenas a proibição para
que os seus clientes troquem recados ou combinem versões, seja por si próprios
ou por meio de terceiros, inclusive advogados.
A
decisão foi celebrada em notas da OAB, que entendeu que o esclarecimento
afastou "qualquer interpretação divergente e reforça prerrogativas da
advocacia". Uma parcela de advogados criminalistas, porém, entendeu que
Moraes não atendeu às solicitações da classe e manifestou insatisfação com a
decisão do ministro.
No
ano passado, em outro episódio de conflito entre os advogados e o ministro, a
OAB criticou o extenso uso do plenário virtual em vez de manifestações
presenciais, sobretudo em ações relacionadas aos ataques golpistas de 8 de
janeiro de 2023, nos quais as sedes dos três Poderes foram depredadas.
Fonte: Folha de São Paulo
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