"Sinto
uma forte pressão no peito. É como se estivesse me afogando. Sinto que vou
cair. Nem sequer sei onde estou."
Duas
semanas após escrever isso, Lee-Min so, uma professora primária da Coreia do Sul, se suicidou.
Embora
o suicídio seja um incidente decorrente de vários fatores (leia abaixo onde
procurar ajuda no Brasil), a família dela descobriu ao ler seus diários que ela
estava sendo oprimida e perseguida por pais de alunos.
A
notícia desencadeou uma onda de indignação entre os professores do país, que exigiram mais proteção.
Trata-se
da face mais extrema de um problema que os professores vivenciam em diversas
partes do mundo: o aumento das agressões e da pressão por parte de pais e
alunos.
O
Brasil tem registrado diversos casos de ataques violentos a professores.
No
ano passado, uma professora morreu e quatro pessoas ficaram feridas em
ataque a escola estadual em São Paulo.
Uma
pesquisa realizada em 2023 pela Nova Escola e instituto Ame Sua Mente mostrou
que 7 em cada 10 educadores notaram um aumento da violência e agressividade
entre os alunos em 2023.
O
levantamento ouviu professores em escolas públicas e privadas no Brasil, em
diferentes níveis de ensino. E também mostrou que 7 em cada 10 afirmam já ter
tido conhecimento de algum caso de violência por parte dos alunos nas escolas
onde trabalham.
Enquanto
isso, o que acontece em outros países?
Na
Inglaterra, quase um em cada cinco professores foi agredido por um aluno neste
ano, segundo dados de um levantamento encomendado pela BBC, no qual 9 mil
professores foram entrevistados nos últimos dois meses.
Na
Espanha, uma professora do ensino médio de um centro de Valência foi agredida
com socos e pontapés por um aluno neste ano.
Em
Bogotá, na Colômbia, uma professora denunciou nas redes sociais a surra brutal que levou de uma aluna,
depois de pedir a ela que não usasse o celular.
Em Santiago, no Chile, um professor ficou inconsciente após ser espancado por um aluno, ao comunicar a ele, ao lado da mãe, que repetiria de ano.
Mais
agressões do que há dois anos
Lorraine
Meah é professora de escola primária no Reino Unido há 35 anos. E, na
experiência dela, o comportamento dos alunos piorou nos últimos anos.
Ela
conta que testemunhou alunos do jardim de infância “cuspirem e xingarem” — e
que o pior comportamento foi demonstrado por crianças de 5 e 6 anos, que
apresentaram “tendências perigosas”, como atirar cadeiras.
“Quando,
em uma turma de 30 crianças, há três ou quatro que apresentam um comportamento
desafiador, é difícil de lidar”, afirma Meah à BBC.
No
Chile, o Colégio de Professores e Professoras, organização nacional que conta
com mais de 100 mil membros, realizou uma pesquisa que mostrou que 86,8% dos
professores foram vítimas de insultos e ameaças feitas, principalmente, por
alunos e responsáveis — ou seja, pais, mães ou representantes.
No
país, a ocorrência de situações deste tipo quase dobrou desde 2018.
Para
María Elena Duarte, psicóloga chilena especializada na área educacional e
clínica, uma das causas deste fenômeno é a mudança na forma como a escola e o
vínculo entre professores e alunos são percebidos.
“Antes
era um espaço respeitado, embora este respeito tivesse a ver, na minha
perspectiva, com autoritarismo e, em alguns casos, com abusos. O fim deste
modelo é bom, mas, com o tempo, passamos para outro, no qual a escola perde
todo o significado como instituição”, argumenta.
Duarte
acredita que o atual acesso a tanta informação e tecnologia tem a ver com o que
chama de uma perda de significado.
Segundo
ela, em um mundo em que é cada vez mais fácil ter acesso a conteúdos, as
escolas deveriam se adaptar e defender o processo de aprendizagem e
desenvolvimento, fortalecendo o vínculo entre professores e alunos.
“Como
isso não acontece, uma vez que a escola, em teoria, não oferece um valor
agregado, temos muitos alunos que nos dizem que assistem às aulas 'porque têm
que' (assistir), mas não querem”, acrescenta.
E,
ao mesmo tempo, “o trabalho de potencializar o vínculo emocional e afetivo
entre professores e alunos se perdeu”.
“Por
um lado, temos professores saturados, com condições cada vez menos ideais de
trabalho, sobrecarregados. Por outro, alunos desmotivados, que não querem estar
nas salas de aula... Isso não ajuda nenhuma das partes”, explica.
Esta
mudança social levou, em muitos casos, a uma perda de respeito — algo que, em
alguns lugares, estão tentando reverter pela força da lei.
Por
exemplo, em várias comunidades autônomas da Espanha, os professores se tornaram
figuras de autoridade por lei, como um policial. Portanto, agredir um professor
equivale a desacato à autoridade.
Mas
isso não impediu que as agressões aos professores também aumentassem na
Espanha.
Novas
formas de agressão
Na
Espanha, 91% dos professores de escolas públicas afirmaram ter problemas de
convivência nas salas de aula — e oito em cada 10 sofreram agressões físicas ou
verbais, segundo estudo realizado pela CSIF (acrônimo em espanhol para Central
Sindical Independente e de Funcionários).
Os
mais frequentes são ataques físicos, como empurrões, pancadas na nuca,
arremessos de objetos e denúncias falsas.
Somam-se
a isso novas formas de maus-tratos fora da sala de aula, como a prática de
bullying online com os professores.
Por
trás das estatísticas, estão profissionais que têm medo de entrar nas salas de
aula, como conta Teresa Hernández, coordenadora do serviço de defesa dos
professores da ANPE, sindicato do magistério na Espanha, à BBC News Mundo,
serviço de notícias em espanhol da BBC.
“Um
professor me disse que o que ele pensa quando entra na sala de aula é se
posicionar mais perto da porta, caso tenha que sair correndo”, afirma.
E,
segundo ela, hoje não há uma maneira fácil de lidar com um conflito com um
estudante.
“O
professor tem que garantir que não será afetado porque colocaram a perna para
ele tropeçar ou riram dele porque, depois de passado um episódio de agressão,
ele deve voltar para a sala de aula no dia seguinte e ser profissional, porque,
além disso, mexe com ele ver o aluno na sala de aula de novo... Não é fácil”,
ressalta.
Isso
se traduz em altos níveis de ansiedade.
Hernández
afirma que, dos professores que atende, cerca de 80% sofrem com ansiedade — e
um grande número já está afastado com sintomas de depressão.
“São
dados que nos preocupam muito.”
O
fenômeno é semelhante no Chile, onde o número de licenças médicas associadas ao
estresse aumentaram no ano passado.
“Muitos
pensam em abandonar a profissão, e isso é grave porque é uma profissão muito
bonita, vocacional e necessária”, afirma Hernández.
Agravantes
As
pesquisas, os estudos e as especialistas consultadas concordam que, embora o
conflito em sala de aula não seja um fenômeno novo, houve algo que o fez
aumentar: a pandemia de covid-19.
“A
partir daí, vemos que há mais problemas de saúde mental, mais distúrbios mentais, mais comportamentos
agressivos nas redes sociais”, observa Teresa Hernández.
“Foi
um fator de estresse gigantesco, não só porque as nossas vidas estavam em
risco, mas porque o lockdown nos obrigou a olhar para nós mesmos — e ver como
gerimos as nossas emoções e rotinas. E se não houver essa gestão, a situação
explode como uma bomba”, acrescenta Duarte.
A
falta de desenvolvimento emocional acaba resultando em problemas
comportamentais.
“Nos
últimos anos, temos chamado a atenção na ANPE para a necessidade de abordar a
saúde mental da comunidade educacional, neste caso dos alunos, desde que
ocorreu a pandemia”, diz Hernández.
No
Reino Unido, Patrick Roach, secretário-geral do sindicato de professores NASUWT
(sigla em inglês), disse à BBC que esta situação de mal-estar mental "foi
agravada pelos cortes nos serviços especializados em saúde mental para crianças
— que deixou nas mãos dos professores o papel de ter de suprir estas
lacunas".
Em
alguns casos, estes serviços nem sequer existiam antes da pandemia.
Duarte
afirma que para muitas crianças e adolescentes o lockdown significou perder uma
etapa com aprendizados valiosos: de como conviver com os colegas, e como lidar
com limites.
E,
além disso, tiveram que gerenciar a socialização por meio das redes sociais.
“Voltamos
então ao espaço social com toda essa carga, e sem um trabalho de transição para
nos conectar com o outro. E depois, no pós-pandemia, nos deparamos com essas
situações de abuso.”
Pais:
um problema adicional?
Na
relação entre professores e alunos, existe um terceiro eixo que influencia
muito, apontam especialistas: os pais e as mães.
Atualmente,
há uma tendência a reduzir a autoridade dos professores, de superproteger os
filhos, e dar razão a eles em quase tudo, culpando até mesmo os professores.
A
psicopedagoga Mar Romera acredita que isso tem a ver, em parte, com a queda nas
taxas de natalidade.
“O
fator determinante é que temos poucos filhos, e se você tem um jardim com 200
gerânios e uma orquídea, você foca em cuidar da orquídea. E há uma
superproteção”, compara Romera.
“Se
os pais defendem antes de tudo os filhos, sem questionar nada, esses filhos
fazem o que querem nas aulas sem consequências. O trabalho dos pais não é
realizado corretamente em muitos casos, e isso nos preocupa”, afirma Teresa
Hernández.
Ela
ressalta que o trabalho de educar as crianças e adolescentes para que se
desenvolvam não pode ser responsabilidade exclusiva dos professores.
“Também
precisa vir de casa.”
María
Elena Duarte insiste que existe um problema de vínculo entre professores e
alunos, que deve ser trabalhado, assim como um pai ou uma mãe deve cultivar o
vínculo com os filhos.
Por
um lado, deve haver um trabalho socioemocional com os professores, diz ela.
Mas, por outro, é preciso perceber o que está acontecendo com os alunos.
“Há
maus-tratos aos professores, sim, mas isso também acontece entre os alunos, que
cada vez mais se tratam pior. É um problema de convivência em geral”, afirma
Duarte.
E,
como ela diz, é uma via de mão dupla:
“Se
temos crianças e adolescentes que hoje não são capazes de fazer esta gestão
emocional, é também porque temos adultos que não conseguiram visualizar a
importância disso.”
No
fim das contas, tudo depende da saúde mental de todos.
“Precisamos
estar muito bem mentalmente, tanto os alunos, quanto as famílias e os
professores. Os problemas em sala de aula são cada vez mais graves”, afirma
Teresa Hernández.
Os
especialistas advertem que, se esta situação não for remediada e não forem
criados protocolos de convivência adequados, este problema não vai ter fim.
*Com
reportagem adicional de Lauren Moss e Elaine Dunkley.
**Caso
seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio,
confira alguns locais para pedir ajuda:
-
O Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece
atendimento gratuito 24h por dia; há também a opção de conversa por chat, e-mail e busca por postos de
atendimento ao redor do Brasil;
-
Para jovens de 13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;
-
Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os
Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);
-
Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;
-
Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto
Atendimento (UPA) 24h;
-
Confira também o Mapa
da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito
em todo o Brasil.
Fonte: BBC News Brasil
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