(*) Percival Puggina
No
dia 30 de abril, o Rio Grande já afundava sob as águas. Contavam-se mortos e
desaparecidos quando o governador Eduardo Leite usou o Twitter para pedir ao
presidente da República socorro da máquina federal:
“Presidente
Lula, por favor envie imediatamente todo o apoio aéreo possível para o RS.
Precisamos resgatar já centenas de pessoas em dezenas de municípios que estão
em situação de emergência pelas chuvas intensas já ocorridas e que vão
continuar nos próximos dias”.
O
episódio, ocorrido há quase três semanas, tem o ineditismo que acompanha essa
tragédia, tanto de modo negativo quanto positivo. O governador gaúcho usando o
Twitter para atrair a atenção do presidente num desastre climático de tão
tenebrosas perspectivas? Duas semanas depois, após digressões sobre um nome
melhor do que Plano Marshall para as reconstruções no Rio Grande do Sul,
sugerido por Eduardo Leite, Lula retornou, com pompa e circunstância, para
apresentar sua versão desse plano. Ele atende, agora, pelo apelido sinistro de
“intervenção federal”. Intervenção branca, dizem os mais benevolentes;
intervenção linha dura, antevejo. Afinal, o ministro designado para a função
tem deixado claro que análises, interpretações e opiniões desagradáveis são
imprudências que podem resultar em incômodos a quem se atreva. O toque de
silêncio que vem sendo imposto à sociedade pela cúpula do Judiciário deu tom
para os corneteiros do Executivo fazerem o mesmo.
Juristas
já se têm manifestado contra a Medida Provisória que dispõe sobre a nova função
considerando que ela viola o pacto federativo. Tanto é assim que o protagonismo
das ações futuras já passou para a esfera federal.
Na
vida real, ao longo de todos esses dias, milhões de brasileiros agem de modo
silencioso e persistente, provendo atenção às vítimas da tragédia com suas
mãos, seus braços, seus bens e seus dons. Falam quase nada e fazem muito.
Frequentemente, têm que se haver com ações equivocadas dos poderes de Estado.
As vidas de todos estarão, doravante, indelevelmente ungidas pelas lágrimas da
própria emoção e pela atuação voluntária nos acontecimentos deste outono gaúcho
de 2024. Bem perto de nós – mas tão distante em espírito! – a trupe federal se
reuniu em São Leopoldo para a performance habitual, com vaivéns sobre o palco,
e para a retórica política e eleitoral exibida de modo escancarado pelo próprio
Lula. Tendo o presidente do STF como muda testemunha, ele lascou esta frase
para a História Mundial da Bravata:
“Eu
vou viver até os 120 anos, eu vou demorar. Já falei para o homem lá em cima:
não estou a fim de ir embora. Preciso disputar umas dez eleições, mais uns 20
anos. O Lula de bengala disputando eleição”.
Não
contente, enquanto prometia novos mundos e poucos fundos, Lula quis se creditar
da solidariedade que o povo gaúcho e a nação brasileira vêm demonstrando com
exuberância nestes dias. Segundo ele, esse protagonismo da sociedade seria
impossível no governo anterior… Falou em invulgar tom manso, supondo que
ninguém perceberia a pilhagem.
Lula
só poderia dizer o que disse e fazer o que fez, sob aplausos, no ambiente
controlado em que ocorreu o evento. Longe – muito longe – dos voluntários cujos
méritos e virtudes quis transformar em brasa para seu assado.
Por
favor, senhores do poder! Pensem menos em política e em eleições. Esse Estado
dos marqueteiros e da politicagem é fake! Deixem-se possuir pelo drama dos
seres humanos que tiveram seus entes queridos e seus bens levados pelas águas!
Há que reconstruir a infraestrutura do Estado, seus meios de produção
danificados ou perdidos, sem esquecer, um instante sequer, a urgente
reconstrução da dignidade de tantos irmãos nossos. Cuidado! Não podemos
preservar em nosso cenário a chaga dos abrigos, como esses campos de refugiados
que marcam, mundo afora, as fronteiras do abismo político e social.
(*)
Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do
Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e
em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara,
Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma
centena de jornais.
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