GUINADA - Lula: gestos à esquerda e afastamento dos aliados de centro que o ajudaram a se eleger (Ricardo Stuckert/PR)
(*) Daniel Pereira
Quando
assumiu a Presidência da República, Dilma Rousseff lidava com a pecha de poste,
uma forma pejorativa usada por adversários e até por petistas para dizer que
sua candidatura e sua administração eram invenções de Lula, que continuaria a
mandar de fato no país. A presidente sabia das desconfianças em torno dela. Convocado
para ser seu chefe da Casa Civil, Antonio Palocci dizia que o plano da da
mandatária era se distanciar de forma gradativa da sombra do padrinho político.
No primeiro ano de mandato, a gestão teria mais a feição de Lula do que a de
Dilma. No segundo, ocorreria o inverso. Daí em diante, segundo Palocci, o
governo seria predominantemente dela. Em seu terceiro mandato no Palácio do
Planalto, Lula parece seguir uma lógica parecida. Na disputa contra Jair
Bolsonaro, ele formou uma frente ampla, conceito que guiou parte das decisões
tomadas no ano passado, como a formação do ministério. Neste ano, no entanto, o
petista tem feito cada vez mais gestos à esquerda, afastando-se de aliados de
centro que foram fundamentais em 2022 e provavelmente serão decisivos em 2026.
Essa guinada, se confirmada, poderá custar caro no futuro.
Os
sinais de uma provável mudança de direção são mais frequentes na área da
economia, impulsionados pela dificuldade do presidente de resistir à tentação
de aumentar o intervencionismo estatal e os gastos públicos. Depois de fritar o
aliado durante semanas, Lula demitiu o petista Jean Paul Prates do comando da
Petrobras, substituindo-o por Magda Chambriard, que dirigiu a Agência Nacional
do Petróleo (ANP) no governo Dilma Rousseff. Apesar de ter “abrasileirado” a
política de preços da companhia, como queria Lula, Prates era considerado
simpático demais ao mercado e um obstáculo ao plano do presidente de usar a
Petrobras para tirar do papel projetos considerados prioritários pelo Planalto,
independentemente de sua viabilidade econômica
ou de sua pertinência em termos de estratégia de mercado. Em linha com os
ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), que
trabalharam pela demissão de Prates, Lula quer que a empresa acelere
investimentos em gás, fertilizantes e refinarias — e volte a impulsionar a
indústria naval, um antigo sonho do PT que, como descobriu a Operação
Lava-Jato, tornou-se terreno fértil para
corrupção grossa.
Magda
Chambriard assume o posto com missões bem definidas, todas estipuladas pela
equipe do presidente. Com essa orientação, o fantasma do intervencionismo
estatal voltou a assombrar. E não apenas
na Petrobras. Desde o início do governo, Lula e a presidente do PT, a deputada
federal Gleisi Hoffmann, reclamam da atuação do chefe do Banco Central, Roberto
Campos Neto, indicado ao da atuação do chefe do Banco Central, Roberto Campos
Neto, indicado ao cargo por Jair Bolsonaro. Eles dizem que a taxa básica de
juros definida pelo BC, que tem contribuído para manter a inflação controle,
dificulta o crescimento econômico do país e, por isso, exigem cortes
expressivos. Essa pressão tem zero embasamento técnico e muita A decisão foi
tomada por 5 votos a 4, saindo derrotados os diretores indicados por Lula. Foi
o suficiente para que se espalhasse o temor de que, tão logo acabe o mandato de
Campos Neto, no fim deste a...
A
decisão foi tomada por 5 votos a 4, saindo derrotados os diretores indicados
por Lula. Foi o suficiente para que se espalhasse o temor de que, tão logo
acabe o mandato de Campos Neto, no fim deste ano, o presidente da República
lançará mão da escolha do sucessor no cargo para interferir no BC, que goza de
autonomia prevista em lei aprovada por ampla maioria no Congresso. Essa
suspeita cresceu a ponto de provocar um comentário de Gabriel Galípolo, diretor
do BC nomeado por Lula e considerado favorito para substituir Campos Neto à
frente do banco. Num evento com investidores, Galípolo disse que também cogitou
cortar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual e que havia argumentos
técnicos para os dois lados. Ele tentou, assim, sinalizar independência em
relação ao Planalto, enquanto Gleisi Hoffmann classificava a decisão do BC de
um crime contra o país. Combativa, a deputada muitas vezes verbaliza aquilo que
Lula pensa, mas evita falar. Ao lado de Rui Costa, Gleisi também está na linha
de frente do lobby por mais gastos públicos, que pressiona desde sempre o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A
vida do chefe da equipe econômica não é fácil. O presidente não desautoriza
Haddad, mas sempre que pode defende a ampliação dos gastos ou a concessão de
favores pela União. Lula também dá corda às pregações de Rui Costa, porta-voz
da tese de que nenhum ajuste fiscal pode comprometer programas como o PAC e o
Minha Casa, Minha Vida. O presidente e o PT resistem a qualquer iniciativa
destinada a cortar despesas ou, pelo menos, torná-las mais racionais. Terceira
colocada na última eleição presidencial e peça-chave da frente ampla formada
para derrotar Bolsonaro, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, tem defendido
a desvinculação entre a política de valorização do salário mínimo e os
benefícios previdenciários e a inclusão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica conta do piso de gastos com educação. Essas medidas teriam
como objetivo conter a expansão das despesas obrigatórias e desengessar o
Orçamento da União. O debate dessas ideias mal começou, mas a já é enorme.
A
deputada Gleisi Hoffmann, sempre ela, diz que, se adotadas, tais iniciativas
contrariarão o programa de governo eleito em 2022. “É no mínimo preocupante que
sejam defendidas pela ministra Simone Tebet. Responsabilidade fiscal não tem
nada a ver com injustiça social”, escreveu numa rede social. O raciocínio de
Gleisi é no mínimo controverso. Em 2022, Lula derrotou Bolsonaro numa batalha
de rejeições. O eleitorado escolheu o que considerou menos pior para o país.
Até os petistas reconhecem isso. Na disputa mais acirrada desde a
redemocratização, Lula saiu vitorioso porque conseguiu atrair apoios de
segmentos de centro e da centro-direita que enxergavam em Bolsonaro uma ameaça
real à democracia. Não houve uma opção entusiasmada pelo programa de governo do
PT. Não houve um voto de confiança na cartilha petista para a economia. Longe
disso. Na ocasião, prevaleceu nas urnas a perspectiva de pacificação do país,
de moderação, de um governo que honrasse a frente ampla. Algo que tem ocorrido
cada vez menos, inclusive na seara política.
Diante
do maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul, o presidente
resolveu politizar a tragédia e indicar como ministro extraordinário para
cuidar da reconstrução do estado o deputado petista Paulo Pimenta, que
comandava a Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Adversário local
do governador Eduardo Leite (PSDB), Pimenta é cotado para concorrer ao Senado
ou ao próprio governo em 2026. O novo cargo dá a ele visibilidade e uma
oportunidade de ouro de colher dividendos eleitorais, mas também pode ser um
catalisador de embates, o que ficou claro numa de suas primeiras entrevistas.
Perguntado sobre o que achava das críticas do deputado federal Aécio Neves à
sua nomeação para o posto, Pimenta respondeu: “Aécio Neves? Não conheço”. Tudo
que os gaúchos não precisam agora é de disputa eleitoral antecipada. O momento
exige cooperação entre União, estado e municípios, para viabilizar o recomeço
da vida dos desabrigados e a reconstrução da economia local. Pelo cargo que
ocupa, Lula tem condições de liderar esse processo, desde que priorize os
desafios administrativos, e não as conveniências eleitorais dos quadros de seu
partido.
Com
o PT à frente dos principais ministérios, o presidente tem usado as eleições
municipais para fazer concessões a aliados, especialmente de centro. Por
decisão dele, os petistas não terão candidatos a prefeito em São Paulo, no Rio
de Janeiro e em Salvador. Com essa estratégia, Lula espera receber em troca o
apoio de legendas como MDB e PSD à sua reeleição, em 2026. A reedição da frente
ampla seria até natural caso Bolsonaro pudesse concorrer, mas ele está inelegível.
Com o capitão fora do páreo, a aliança com siglas de centro não se repetirá tão
facilmente. Lula corre sério risco de ficar isolado se insistir em trilhar a
direção errada. Não parece boa ideia para quem enfrenta um alto índice de
rejeição.
(*) Jornalista da Revista VEJA
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