Em menos de um mês, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, deixa a Corte depois de dois anos e passa o bastão à ministra Cármen Lúcia — atual vice-presidente. Para os bolsonaristas, a saída do "Xandão" é um sopro de esperança: isso porque muda a correlação de forças dentro do TSE com a chegada do ministro André Mendonça e pode impactar placares de votações em casos do interesse do ex-presidente da República.
Indicado
por Bolsonaro em 2021, Mendonça ocupará uma das três cadeiras reservadas aos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no TSE. Ele se unir à ala mais
"conservadora" da Corte, composta pelos ministros Raul Araújo, Isabel
Gallotti e Kassio Nunes Marques — que também foi indicado pelo ex-presidente.
Na frente mais alinhada a Moraes, estão Cármen Lúcia, André Ramos Tavares e
Floriano de Azevedo Marques.
Em
3 de junho, Cármen assume a Presidência do TSE e já sinalizou que continuará o
enfrentamento às fake news nas eleições municipais de outubro. Além disso,
promete ser implacável com o uso o malicioso da inteligência artificial (IA) no
pleito.
Cármen
também estará à frente do tribunal em julgamentos importantes, como os que
envolvem Bolsonaro. Declarado inelegível até 2030, o ex-chefe do Executivo é
alvo de 16 processos relacionados à propagação de notícias falsas, além do uso
da máquina pública para tentar a reeleição e abuso de poder político e
econômico.
Na
pauta da Corte também está o processo que pode cassar o senador Sergio Moro
(União-PR). Ele foi absolvido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná
(TRE-PR), no início do mês passado, das acusações de abuso de poder econômico e
caixa 2 nas eleições de 2022, mas seu mandato não está totalmente a salvo.
Sem
guinada
Segundo
o analista político Melillo Dinis, a entrada de Mendonça não deve alterar
profundamente o rumo de ações que envolvam Bolsonaro e seus apoiadores. "O
ministro (Moraes) superou a maior parte das turbulências, ainda que tenha
perdido muito em sua imagem de imparcial. Com a chegada de Mendonça, é provável
que o TSE alargue o diálogo com o mundo da política e da sociedade civil, pelo
perfil dos magistrados e pelo contexto de menor desgaste", observou.
O
cientista político Leandro Gabiati também não vê o TSE dando uma guinada que
favoreça Bolsonaro e seus apoiadores. "Pode mudar um pouco, talvez no tom,
mas entendo que o TSE tem uma missão constitucional importante, que vai além de
quem é presidente da Corte e que continuará, independentemente de quem entra ou
sai", advertiu.
Para
o advogado eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do Estado
pela Universidade de São Paulo (USP), a gestão de Moraes à frente do TSE
"será para sempre lembrada como a mais desafiadora da história. O ministro
enfrentou ataques à democracia, fake news, tentativas de desacreditar a Justiça
Eleitoral e até tentativa de golpe de Estado. Isso tudo sem falar dos ataques
pessoais, injúrias, difamações e até calúnias que sofreu, tanto contra si
quanto contra parentes e amigos. Entra para a história do Brasil. Não mediu
esforços para defender nossa democracia".
O
advogado Marcos Jorge, também especialista em direito eleitoral, considera que
o ciclo de Moraes deixou clara a importância da existência da Justiça
Eleitoral. "A posição firme foi decisiva para o enfrentamento de temas
importantes na Corte, como o combate efetivo às fake news e demais temas
relacionados ao uso da tecnologia e redes sociais", destacou.
Como
é a formação do TSE
É formado
por sete ministros titulares, com mandatos de dois anos, passíveis de
renovação. Nessa composição, três são integrantes do Supremo Tribunal Federal,
dois são do Superior Tribunal de Justiça e outros dois representam a classe dos
advogados.
Seguidos
embates antes e após as eleições
Eleito
o principal adversário do bolsonarismo e da extrema direita, Moraes deixou
claro a que viera logo no discurso de posse na Presidência do TSE. À época já
sob fogo pesado do ex-presidente da República e de seus apoiadores, avisou que
"não iria baixar a guarda".
Desde
então, a ira dos bolsonaristas contra ele apenas se potencializou — embora o
próprio ex-presidente, nos recentes comícios em São Paulo e no Rio de Janeiro,
não tenha feito uma única menção a Moraes, ao STF e ao TSE em qualquer dos
eventos. Inelegível, a estratégia de Bolsonaro é terceirizar os ataques para
não piorar a própria situação no Judiciário.
Os
bolsonaristas veem na atuação de Moraes um direcionamento pessoal contra eles,
sobretudo porque o ministro enfeixa vários inquéritos que podem complicar a
situação do ex-presidente. A seguir, alguns episódios que se tornaram fontes de
profundo atrito entre Bolsonaro e Moraes.
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Relatoria do inquérito das fake news — Aberto de ofício em março de 2019
pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, Moraes foi designado
relator do inquérito que investiga notícias falsas, ofensas e ameaças aos
integrantes do STF e seus parentes. No escopo das apurações, foram incluídos os
apoiadores de Jair Bolsonaro e o "gabinete do ódio" — grupo de
assessores do ex-presidente que manejava uma estrutura, dentro do Palácio do
Planalto, de ataques e disseminação de mentiras contra adversários políticos do
governo. Nesse inquérito está inserido o blogueiro Allan dos Santos, que fugiu
para os Estados Unidos e continua a provocar Moraes ao levantar inúmeras contas
em redes sociais em que pede, entre outras coisas, golpe militar no Brasil.
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Relatoria de inquérito contra Bolsonaro — Moraes assume — por sorteio — o
inquérito sobre a interferência do ex-presidente na Polícia Federal. Bolsonaro
foi acusado pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro de
tê-lo pressionado para trocar o diretor-geral da PF a fim de que as apurações
não chegassem a amigos e parentes que fossem alvos da instituição. Queria,
inclusive, ter acesso a relatórios sigilosos da corporação.
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Confrontos com a PGR — Moraes e o então procurador-geral da República
Augusto Aras várias vezes bateram de frente sobre pedidos de investigação
contra Bolsonaro e seus aliados. Em um desses confrontos, o ministro autorizou
a realização de buscas contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles,
sem ouvir previamente a PGR — que só soube da operação quando foi deflagrada.
» Pedido de impeachment movido por Bolsonaro — Em 20 de agosto de 2021, o ex-presidente protocolou um pedido de impeachment contra Moraes no Senado. A solicitação foi sumariamente rejeitada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por "manifesta ausência de tipicidade e de justa causa". Bolsonaro protocolou a tentativa de impedimento do ministro por ter expedido mandatos de busca e apreensão contra o cantor Sérgio Reis, o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) e outros bolsonaristas — que planejavam protestos golpistas no 7 de Setembro de 2021.
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Bloqueio do Telegram — O ministro determinou o bloqueio do aplicativo de
mensagens no Brasil pelo descumprimento reiterado de decisões judiciais. A rede
tornara-se a preferida dos bolsonaristas, depois que o WhatsApp concordou em
fechar um acordo com o Judiciário brasileiro pelo qual melhoraria os
dispositivos de moderação.
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Prisão de Daniel Silveira — Moraes foi o responsável por decretar a prisão
em flagrante, em fevereiro de 2021, do ex-deputado federal Daniel Silveira,
depois da publicação de um vídeo no qual o ex-parlamentar atacava os ministros
do STF e defendia o Ato Institucional nº 5 (AI-5).
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Barreiras da PRF no segundo turno da eleição presidencial — Na condição de
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Moraes convocou o então diretor-geral
da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, em 30 de outubro de 2022, e
determinou a suspensão imediata de barreiras que a corporação erguera em várias
estradas do Nordeste para impedir que eleitores — uma grande parte deles
apoiadora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — chegassem aos locais de
votação. Teria, inclusive, ameaçado dar voz de prisão a Silvinei caso os
bloqueios não fossem levantados.
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Inelegibilidade de Bolsonaro — Em 31 de outubro de 2023, Moraes conduziu a
sessão do TSE que tornou o ex-presidente e o general da reserva Walter Braga
Netto — que compuseram a chapa que concorreu à reeleição presidencial, em 2022
— inelegíveis por oito anos. A decisão foi pelo placar de 5 x 2. A dupla foi condenada
por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da
Independência, em 7 de setembro de 2022, nas celebrações promovidas em Brasília
e no Rio de Janeiro.
» Agressão em aeroporto na Itália — O ministro e o filho foram agredidos por três pessoas quando embarcavam no voo que os traria de volta ao Brasil, em julho de 2023. Em fevereiro, a PF concluiu o inquérito sobre o episódio, depois de analisar imagens nas quais Roberto Mantovani Filho atingiu Alexandre Barci de Moraes, filho do magistrado, no rosto. O relatório do caso está no STF.
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Reação a advogado de vândalo do 8/1 — Num dos primeiros julgamentos sobre
as invasões às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, Moraes rebateu
as alegações do desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, que acusou
o STF de promover um "julgamento político", classificou-o como
incompetente para a análise das ações e disse que os integrantes da Corte eram
as pessoas "mais odiadas do país". O ministro foi incisivo na
resposta. "As pessoas vieram, as pessoas pegaram um tíquete, pegaram uma
fila assim como fazem na Disney. 'Agora, vamos invadir o Supremo, vamos quebrar
uma coisinha aqui. Agora, vamos invadir o Senado. Agora, vamos invadir o
Palácio do Planalto' — como se fosse possível. É tão ridículo ouvir isso que a
Ordem dos Advogados do Brasil não deveria permitir. A Ordem dos Advogados do
Brasil, que é uma defensora intransigente da democracia", rebateu Moraes.
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