O
ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista (mais tempo
para análise) e suspendeu nesta quinta-feira, 16, o julgamento sobre as
alterações feitas pelo Congresso na Lei de Improbidade Administrativa. Não dá
data para retomada da votação.
“Tem
algumas questões que, a meu ver, são complexas. Como o debate já demonstrou
desde ontem”, justificou.
A
reforma na legislação foi aprovada por deputados e senadores e sancionada pelo
então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2021, mas vem sendo questionada por
membros do Ministério Público. Promotores e procuradores consideram que as
mudanças enfraqueceram o trabalho de combate à corrupção.
O
ministro Alexandre de Moraes concluiu nesta quinta, 16, após duas sessões, a
leitura do seu voto. Como relator do caso, ele abriu a votação. Os demais
ministros decidiram aguardar a devolução do processo por Gilmar Mendes, que tem
até 90 dias para liberar a ação.
Alexandre
de Moraes defendeu a derrubada de uma série de trechos da nova lei. O
posicionamento era esperado, porque o ministro concedeu uma liminar, em
dezembro de 2022, para suspender pontos importantes da reforma.
Cada
trecho da lei foi abordado de forma autônoma e debatido em detalhes, o levou a
um voto minucioso e técnico.
ENTENDA
PONTO A PONTO DO VOTO DE ALEXANDRE DE MORAES:
Improbidade
culposa
Um
dos pontos mais disputados no debate sobre a reforma na Lei de Improbidade foi
o que excluiu a modalidade “culposa” do ato de improbidade.
O
novo texto passou a exigir a comprovação do dolo, ou seja, da intenção de
violar princípios da administração pública. A legislação deixou de prever a
modalidade culposa dos atos de improbidade – cometidos por negligência ou
imprudência.
Essa
era uma bandeira da classe política, que reclamava de condenações consideradas
injustas e da falta de segurança para os gestores públicos. Para promotores e
procuradores, a extinção da forma culposa favorece a impunidade e enfraquece o
combate à corrupção.
Em
2022, os ministros chancelaram a mudança na tipificação. Por isso, Alexandre de
Moraes defendeu que, apesar da irresignação dos membros do Ministério Público,
o ponto já está resolvido,
“Improbidade
administrativa é a ilegalidade voltada a um ato de corrupção, tanto que as
sanções são gravíssimas. Ninguém é corrupto por negligência. Não se pode
confundir o agente corrupto com o agente incompetente. Ou às vezes o agente não
é nem incompetente, é sem sorte. Toma uma das várias opções políticas, mas não dá
certo.”
Perda
da função pública
Moraes
votou para declarar inconstitucionais ou limitar a interpretação de diversos
pontos do novo texto. Um deles é o que limita a perda da função pública aos
casos em que o gestor público esteja no mesmo cargo. Ou seja, pela nova
legislação, se o político mudar de função, ele não perde o novo cargo quando
for condenado por improbidade.
O
tempo médio de tramitação das ações de improbidade é de cinco anos e quatro
meses – superior, portanto, à duração dos mandatos políticos.
Para
Alexandre de Moraes, a mudança favorece a impunidade. Primeiro, porque os
processos tendem a se estender para além dos mandatos. Segundo, porque os
políticos podem se antecipar à condenação e mudar de função para não serem
afetados, o que o ministro chamou de “ciranda dos cargos públicos”.
“A
conduta corrupta não é ligada ao cargo, é ligada à pessoa. Portanto,
independente do cargo que ele venha a ocupar no momento do trânsito em julgado
da condenação, ele deve perder o cargo”, defendeu Moraes.
Absolvição
na esfera criminal
Outro
trecho considerado problemático pelo ministro é o que enterra automaticamente a
ação de improbidade se os réus forem absolvidos das mesmas acusações na esfera
criminal, o que na avaliação de Alexandre de Moraes viola a autonomia das
instâncias da Justiça. “As nuances de tipicidade da improbidade e crime
permitem conclusões diversas”, argumentou.
O
ministro também chamou a atenção para situações em que a ação penal está
incompleta enquanto a ação de improbidade, a partir do inquérito civil, reúne
as provas necessárias para a condenação.
Excludente
de ilicitude
Alexandre
de Moraes também votou para declarar inconstitucional o trecho que prevê que
gestores públicos não podem ser condenados se houver divergências na interpretação
dos juízes e tribunais sobre o ato de improbidade.
Para
o ministro, essa é uma “cláusula absoluta de impunidade”. “A exclusão absoluta
de tipicidade me parece irrazoável”, argumentou. “É inútil esse parágrafo no
sentido de proteção (dos agentes públicos) uma vez que não se admite mais a
modalidade culposa.”
Cálculo
da suspensão dos direitos políticos
A
reforma na legislação inovou no cálculo do prazo de suspensão dos direitos
políticos – uma das punições mais duras da condenação por improbidade.
O
novo texto prevê que o intervalo entre a condenação na segunda instância e o
trânsito em julgado da sentença (quando não há mais possibilidade de recurso)
deveria ser abatido na contagem final. Para Alexandre de Moraes, a previsão
enfraquece o sistema de responsabilização dos atos de improbidade.
A
condenação de improbidade na segunda instância deixa o político inelegível por
causa da Lei da Ficha Limpa. Neste momento, porém, não há sanções com base na
Lei de Improbidade – que vão além da inelegibilidade e incluem, por exemplo, o
direito de votar. A pena só é aplicada ao final do processo.
O
ministro defendeu que a natureza jurídica das punições é diferente e, por isso,
a detração dos prazos não é possível. Seria, na avaliação dele, uma
“conta-corrente maléfica para o sistema de repressão à corrupção”.
Moraes
também alertou para a situação de agentes públicos que estejam em cargos
não-eletivos, como secretarias ou ministérios, e, portanto, não serão
diretamente afetados pela inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. Para o
ministro, eles poderão apresentar recursos em série para atrasar o desfecho das
ações judiciais e, ao final do processo, terão um saldo favorável na contagem
dos direitos políticos.
“Uma
eventual detração seria muito benéfica para aquele que exerce cargo público
não-elegível, porque enquanto condenado em segunda instância ele está
inelegível, mas continua no cargo de secretário, ministro de Estado, diretor de
estatal. Vai retardando o processo. No momento em que se dá a suspensão dos
direitos políticos, se resume só à inelegibilidade.”
Tribunais
de Contas
A
nova Lei de Improbidade prevê a participação dos Tribunais de Contas nos
Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) – quando o investigado confessa o crime
e se compromete a cumprir cláusulas definidas pelo poder público em troca do
encerramento de uma investigação ou processo.
A
reforma deu transferiu às Cortes de Contas a atribuição de calcular o valor das
multas e definir “parâmetros” para a elaboração desses acordos. Para Moraes, a
mudança foi uma intervenção indevida no trabalho do Ministério Público.
“Se
coloca aqui um obstáculo à atuação do Ministério Público e da própria atividade
jurisdicional. O juiz não vai poder nem homologar o acordo se o Tribunal de
Contas não determinar qual é o valor do dano. Isso foge totalmente das
atribuições do Tribunal de Contas. E fere a autonomia do Ministério Público.”
Punição
a partidos políticos
O
ministro também defendeu a derrubada do dispositivo que impede a punição, com
base na Lei de Improbidade, de partidos políticos e federações partidárias
processados por desvio de recursos. A inconstitucionalidade, argumentou o
ministro, é “gigantesca”.
“Não
há lógica em afastar a possibilidade de uma casta somente, dirigentes
partidários que recebem o dinheiro público não poderem, assim como qualquer
pessoa, serem responsabilizados por improbidade administrativa”, defendeu
Moraes.
Penas
As
punições previstas na Lei de Improbidade Administrativa não necessariamente
precisam ser aplicadas em conjunto. Cabe ao juiz responsável analisar a
gravidade do caso e decidir as sanções. Essa era uma prática que já prevalecia
nos tribunais.
Com
a reforma legislativa, houve uma ampliação na gradação das penalidades. O prazo
máximo de suspensão dos direitos políticos, por exemplo, foi aumentado de dez
para 14 anos. Já nos processos considerados menos graves, quando não há
enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos, não há mais previsão de
suspensão dos direitos políticos.
Para
Alexandre de Moraes, não há irregularidade neste ponto. “O juiz pode, a partir
da análise, decidir o que aplicar, de acordo com a gravidade do fato.”
Contratação
com o poder público
A
proibição de empresas envolvidas em atos de improbidade serem contratadas pelo
poder público é outra penalidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa.
A reforma flexibilizou este ponto, ao prever que restrição de contratação
estaria restrita ao ente lesado. Se a condenação por improbidade envolveu
serviços prestados à União, por exemplo, a empresa não poderia disputar
contratos e licitações federais, mas seguiria apta a oferecer serviços aos
Estados e municípios.
Alexandre
de Moraes considerou o trecho inconstitucional. “É uma proteção deficiente”,
defendeu. “Não me parece compatível com uma efetiva proteção ao erário público,
um combate efetivo à corrupção.”
Nulidade
da condenação se houver mudança de tipificação
A
nova Lei de Improbidade Administrativa exige que o juiz indique, “com
precisão”, a tipificação do ato de improbidade assim que receber a réplica da
acusação e proíbe qualquer mudança no enquadramento legal dado pelo Ministério
Público ao apresentar a ação. Se a regra for descumprida, a decisão é
considerada nula.
Ao
apresentar o voto, Alexandre de Moraes afirmou que o Congresso tentou
“engessar” o Poder Judiciário. “É uma previsão para causar nulidade em cima de
nulidade, desde o início ao final, passando pelo meio”, criticou. “O juiz
jamais pode alterar os fatos, mas ao interpretar os fatos, se o juiz chega a
uma outra capitulação legal, ele que vai decidir.”
Fonte: Isto É
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