(*)
Percival Puggina
Meu amado berço sulino vive
sua hora mais amarga sob o múltiplo bombardeio das águas. Num repique da
enchente que o vitimou, elas ainda caem enquanto escrevo. Penso no Rio Grande
geográfico, com a sedutora Serra Gaúcha e sua riqueza hídrica, nos rios do planalto
e da planície … cobertos de água e lama. Penso no Rio Grande da história e no
povo gaúcho. As guerras e revoluções do passado influenciaram muito o tipo
humano que agora terá que se haver com as consequências da tragédia.
Subitamente, já no ocaso da
minha existência, estou testemunhando a esperança nascer ante a face mais
virtuosa desse caráter. A reação da sociedade gaúcha está registrando uma nova
epopeia para a história desse povo. E o faz em poucas palavras, mas em tantas
imagens quantas a tecnologia hoje permite.
Acionados pelo nobre impulso
interior da solidariedade se moveram e se comoveram. Tudo aconteceu tão de
repente quanto subiam as águas. Foi como se todos dissessem – “São meus irmãos,
é a nossa gente, sitiada e levada pelas águas. Agora é conosco, pessoal!”.
Quase se ouvia o zumbido nas redes sociais febricitantes nos grupos de WhatsApp
e de toda parte já chegavam os botes à água, os abrigos abriam. Com o que
podiam trazer, vinham médicos, enfermeiros, maqueiros, viaturas, motoristas, jipeiros
e os preciosos trilheiros. Água potável, lanches, lâmpadas, lanternas!
Utilidades chegavam e continuam a chegar, demandando verdadeira multidão de
“estivadores” para a faina diuturna de carregar e descarregar pacotes de
doações.
Ninguém! Ninguém ali invoca
qualquer tipo de identidade racial, sexual, social lá o que seja tão
determinante para os ídentitaristas. A mão estendida não tem cor nem conta
bancária. Os helicópteros particulares e os óbolos das viúvas são expressão do
mesmo amor ao próximo.
A brava gente do Rio Grande há
muito tempo não chorava tanto diante das imagens que nos chegam diariamente
mostrando que essa solidariedade mobilizou o país inteiro. Ela viaja em
abençoados caminhões provenientes de empresas e municípios dos quais, muitas vezes,
nunca ouvimos falar. E se mobilizaram por nós! Por nós, distantes! É tão
flagrante serem essas cargas puro amor em fardos que os caminhões em comboio
partem ao som de canções motivadas por corações felizes, cantadas com vozes
embargadas.
Que Deus proteja a todos vocês
e os gratifique por tão expressivo bem feito. Está valendo muito, pessoal!
(*) Arquiteto,
empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia Rio-Grandense de
Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do
Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros
websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do
Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de
jornais.
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