O
pedido de voto explícito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o
deputado federal e pré-candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos
(PSOL) na quarta-feira, 1º, deve ter
consequências na Justiça Eleitoral. Especialistas ouvidos pelo Estadão concordam
que haverá desdobramentos legais, mas discordam da gravidade dos atos de Lula e
das punições que podem acarretar aos dois.
Como
mostrou o Estadão, o evento organizado pelas centrais sindicais no
estacionamento do estádio do Corinthians, em Itaquera, foi custeado em
parte com recursos da Lei Rouanet e contou com patrocínios da Petrobras e do
Conselho da Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi). A produtora responsável pelo evento captou R$
250 mil por meio da lei de incentivo à cultura. Trata-se de dinheiro de um
doador privado, mas que depois é abatido dos impostos devidos por quem doou. O
ato também teve transmissão ao vivo pela TV Brasil, que pertence ao governo
federal.
O
MDB, partido do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, o Novo, partido da
pré-candidata Marina Helena, e o PSDB apresentaram ações ao Tribunal Regional
Eleitoral (TRE-SP) alegando que Lula realizou propaganda antes do período de
campanha. Segundo o MDB, o ato do presidente teve “inteira concordância e
anuência de Guilherme Boulos, que se engajou claramente no ilícito praticado em
seu favor”.
Durante
o discurso no ato, Lula pediu votos a Boulos, chamando o deputado de candidato,
apesar de o período de convenções e registro de candidaturas só começar em
julho. O presidente afirmou que “ninguém derrotará” o deputado e disse que os
seus eleitores de 2022 deveriam escolher o pré-candidato do PSOL nas eleições
de outubro.
“Ele
está disputando com o nosso adversário nacional, ele está disputando contra o
nosso adversário estadual e ele está disputando contra o nosso adversário
municipal. Então, ele está enfrentando três adversários e, por isso, eu quero
dizer para vocês, ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos
para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. E eu vou fazer um apelo, cada
pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em
2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo”, disse.
O
que diz a lei eleitoral?
O
pedido explícito de votos a um pré-candidato é proibido pela Lei das Eleições
(Lei 9.504/97). O artigo 36-A diz que não configura propaganda eleitoral
antecipada “a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos”. No entanto, reforça que isso só é permitido
“desde que não envolva pedido explícito de voto”.
A
campanha eleitoral começa no dia 16 de agosto, ou seja, candidatos e aliados só
podem fazer pedidos explícitos de votos a partir dessa data.
A
Lei das Eleições impede que aliados peçam votos a pré-candidatos, mas permite
que eles solicitem apoio ou valorizem as qualidades pessoais dos políticos que
pretendem disputar as eleições. Para Alberto Rollo, especialista em Direito
Eleitoral, Lula poderia escapar de uma infração se mudasse o tom do discurso
feito no ato em São Paulo.
“Você
pode pedir apoio, não pode pedir voto. Se o Lula tivesse trocado todo o
discurso e tivesse pedido apoio ao Boulos, não teria nenhum comprometimento e
nenhuma ilegalidade. Ele errou quando pediu voto e a lei diz que, neste
momento, não pode fazer pedido explícito de voto”, afirmou.
Quais
as punições para o pedido explícito de votos na pré-campanha?
A
Justiça Eleitoral prevê que o pedido explícito de votos na pré-campanha é
punido com multa de R$ 5 a R$ 25 mil. Tanto Lula quanto Boulos podem ser
condenados. O petista por ser o autor do pedido de votos e Boulos por ter sido
o político beneficiado pelas declarações.
De
acordo com Vânia Aieta, coordenadora nacional da Associação Brasileira de
Direito Eleitoral e Político (Abradep), é possível que os dois sejam punidos
com o valor mais alto. “Considerando a amplitude de lugar, no dia 1º de Maio,
certamente o tribunal pode multar na pena máxima, de R$ 25 mil”, explicou.
A
declaração de Lula pode ameaçar a candidatura de Guilherme Boulos?
Os
especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pelo Estadão divergem
sobre a possibilidade de a candidatura de Boulos ser cassada por conta do
pedido de votos feito por Lula. Após a veiculação do discurso, opositores do governo federal defenderam a anulação da campanha
do deputado, além da inelegibilidade do presidente por abuso de poder
econômico e político.
Para
o advogado eleitoral Fernandes Neto, as declarações de Lula não tiveram
“gravidade suficiente para justificar uma condenação por abuso de poder
político, econômico e dos meios de comunicação”, mesmo com o uso de recursos
públicos para custear o evento e a transmissão ao vivo feita pela TV Brasil.
Já
o advogado eleitoralista Adriano Soares da Costa, autor do livro “Instituições
de Direito Eleitoral”, avalia que a conduta de Lula foi grave e abre margem
para enquadrá-lo nos ilícitos eleitorais de abuso de poder econômico e político
e uso indevido dos meios de comunicação, que, por extensão, também atingiriam
Boulos por ter sido o beneficiário de eventuais condutas vedadas.
“Isso
pode configurar abuso de poder político e de poder econômico pelo uso dos
recursos públicos. O uso da TV Brasil gera, em tese, o uso indevido dos meios
de comunicação social”, afirmou. “Só a fala do Lula seria mera propaganda
eleitoral antecipada e geraria multa. O problema é o contexto da fala. Se ele
faz essa fala numa entrevista ou numa reunião que não envolvesse recursos públicos,
seria propaganda eleitoral antecipada. Mas tem a utilização de recursos
públicos”, afirmou.
O
eleitoralista também apontou que a conduta de Lula foi agravada pelo fato de
ele ter sancionado o reajuste da tabela do Imposto de Renda durante o
evento com as centrais sindicais. Ele ainda frisou que os sindicatos são
vedados pela lei eleitoral de investir recursos em atividade política, sob o risco
de incorrer em gasto indevido cuja pena é a inelegibilidade. “Tanto a Lei
Rouanet quanto o gasto sindical não poderiam ser utilizados em evento
eleitoral. Foi em ambiente privado, só que ele (Lula) praticou ato
público em benefício dos trabalhadores mudando a tabela de imposto. Aquilo que
seria eminentemente privado, passou a ser incorporado como evento de governo”,
avaliou.
Soares
da Costa explica que uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) só pode
ser instaurada para apurar o caso após o registro de candidatura de Boulos.
Esse tipo de processo pode culminar na inelegibilidade do autor e do
beneficiário da infração.
Para
Vânia Aieta, as chances de Boulos ter a candidatura prejudicada são mínimas. A
especialista também não enxerga a possibilidade de o fato provocar a
inelegibilidade do presidente. “Pode ter a incidência de uma conduta vedada,
mas eu sustento tese de que continuaria sendo uma pena de multa. Seria uma pena
mais arrojada, mas também não chegaria a implicar em cassação da futura candidatura.
Também seria um absurdo uma futura inelegibilidade do Lula”, afirmou.
Qual
a diferença entre o pedido de votos feito por Lula e a reunião de Bolsonaro com
embaixadores?
Após
o pedido de votos feito por Lula, opositores compararam a sua fala com a
reunião feita pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) com embaixadores no Palácio do Planalto em julho de 2022, que culminou na inelegibilidade dele por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os críticos ao
petista afirmam que o custeio do evento com verbas públicas e a transmissão da
TV Brasil são fatores que aproximam os dois episódios.
Os
especialistas ouvidos pelo Estadão divergem de uma equiparação entre
a reunião com embaixadores e o ato em Itaquera. Alberto Rollo observa que os
votos contra o ex-presidente no TSE levaram em consideração outros movimentos
do ex-presidente que contestavam a Justiça Eleitoral e as urnas eletrônicas, e
não apenas o encontro no Planalto.
“O
que os votos que condenaram Bolsonaro dizem é que ele já vinha praticando uma
campanha de difamação contra a Justiça Eleitoral e contra a urna eletrônica. Em
algum momento, o TSE diz que a reunião foi mais um capítulo dessa novela.
Então, foi mais grave que um evento feito no estacionamento do Corinthians”,
afirmou.
O
especialista diz que, caso Lula viole a Lei das Eleições em outras ocasiões,
haverá mais chances de o presidente ser condenado à inelegibilidade. “Hoje, eu
acho pouco para uma Aije. Mas se isso se repetir em vários atos, dá para acusar
Boulos de ser o beneficiário e Lula de ser o autor de algum abuso”, disse.
Segundo
Guilherme Gonçalves, advogado eleitoral e membro da Abradep, a reunião com
embaixadores se difere do discurso de Lula por ter tido a intenção de atentar
contra a normalidade da eleição presidencial de 2022, e não a de trazer mais
votos para um determinado candidato.
“Bolsonaro
não foi punido por ter ganhado mais ou menos votos, ele foi punido por ter
atentado contra a normalidade da eleição. Ele usou do poder político imenso que
tinha para atacar a própria existência do processo eleitoral”, explicou.
Fonte: Estadão
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