Operação
da Polícia Federal mira quadrilha especializada na venda ilegal de armas no
Nordeste. — Foto: Divulgação/PF
A suposta participação do capitão Mauro Grunfeld no esquema de compra e venda de armas que abastecia facções criminosas na Bahia foi revelada por meio de conversas em aplicativos de mensagens. As informações foram interceptadas pela Polícia Federal, em investigação conjunta com o Ministério Público do Estado (MP-BA).
Ex-subcomandante
da 41ª Companhia Independente (CIPM/Federação-Garcia) e condecorado pela
corporação como "policial militar padrão do ano de 2023" pelo
"fiel desempenho nos serviços prestados", Grunfeld foi preso
preventivamente em maio. Ele e outras 19 pessoas foram alvos da Operação
Fogo Amigo, que desvendou o esquema criminoso da organização batizada como
"Honda".
O
capitão nega as acusações. A defesa dele diz que as armas eram compradas para
uso pessoal. Na quarta-feira (18), o agente foi solto e passou a responder
pelas acusações em liberdade. [Veja os detalhes ao final do texto]
De acordo com a apuração conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), de Investigações Criminais Norte e das Promotorias Criminais da Comarca de Juazeiro,o capitão era um "contumaz negociador de armas e munições".
Grunfeld
foi descrito como o principal remetente de dinheiro para Gleybson Calado
do Nascimento, também policial militar da Bahia e apontado como um dos maiores
operadores do esquema que movimentou quase R$ 10 milhões entre 2021 e
2023.
Um
documento sigiloso, obtido pela TV Bahia, aponta que entre 18 de fevereiro de
2021 e 13 de fevereiro de 2022, o capitão transferiu R$ 87.330,00 para
Nascimento. "Os diálogos entre os dois indivíduos não deixam nenhuma
dúvida de que os altos valores transacionados, demonstrados abaixo, referem-se
à comercialização de armas de fogo e munições. Denota-se, da conversa, que a
negociação entre eles é algo permanente, habitual, comum, sem nenhuma
formalidade", indica um trecho do material.
Confira
algumas transações:
Em
26 de setembro de 2023, por exemplo, Grunfeld teria negociado com Gleybson.
"Manda o pix", escreveu o capitão, se referindo à chave necessária
para a transferência e questionando também o valor.
Em
29 de setembro do ano passado, outra conversa mostrou que Grunfeld também era
vendedor. "Apareceu pedido de 5 cartelas de 7.65", enviou o policial.
Ele se referia ao tipo de cartucho para uma pistola.
Em
1º de outubro de 2023, uma nova conversa mostra Gleybson oferecendo um revólver
a Grunfeld por R$ 4,5 mil.
A
investigação também aponta que essas armas e munições tinham destino
específico: "criminosos faccionados que atuam no Bairro do Calabar,
em Salvador".
As negociações seriam intermediadas por traficantes de drogas.
Diante
desses indícios, Grunfeld foi alvo de mandados de prisão preventiva e busca e
apreensão — na Academia da Polícia Militar, na Boa Viagem, e na residência
dele, no bairro da Graça, ambos endereços em Salvador. Porém, os agentes
encontraram uma pistola sem o devido registro na casa e realizaram a prisão em
flagrante.
O
capitão alegou que a arma foi adquirida de um policial civil e que a
propriedade seria de outra agente, mas disse não saber informar nome ou lotação
da servidora. Ele argumentou também que fez a compra porque precisava de defesa
pessoal e policiais militares estariam com "dificuldades
burocráticas" para obter o artefato. Flagrante revogado
Ao
analisar o flagrante, a 26ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, área do
MP-BA não vinculada à investigação principal, pontuou que "não há qualquer
elemento probatório ou mesmo fático que aponte para eventual participação do
custodiado em organização criminosa ou que reitere na prática de crimes".
O órgão ponderou que o procedimento criminal está sob sigilo, o que impede os promotores de acessarem o conteúdo, sendo o juízo da Vara Criminal de Juazeiro o "único órgão julgador que detém o real conhecimento das imputações porventura irrogadas em desfavor do custodiado". A partir dessas ponderações, em 21 de maio, o MP-BA se pronunciou pela liberdade provisória com pagamento de fiança.
No
dia seguinte, na audiência de custódia, a Justiça acatou os argumentos e
concedeu o benefício da provisória ao capitão. Mas a juíza em questão não
expediu alvará de soltura para que fosse cumprido o mandado de prisão
preventiva em aberto. Assim, na mesma data, a preventiva foi cumprida.
Esquema
de compra e venda de armas
A
operação que prendeu 19 pessoas, dentre elas 10 militares, foi deflagrada em 21
de maio, Policiais da Bahia e de Pernambuco, além de CACs (Colecionador,
Atirador Desportivo e Caçador) e lojistas, são suspeitos de integrar a
organização criminosa especializada em vender armas e munições ilegais para
facções criminosas.
Os
mandados foram cumpridos em Arapiraca, no estado de Alagoas; em Petrolina, no
estado de Pernambuco; e em Juazeiro, Salvador, Santo
Antônio de Jesus, Porto Seguro e
Lauro de Freitas, na Bahia. De acordo com a Polícia Federal, o modus operandi
do grupo consistia em reter armamentos apreendidos em operações policiais. Ao
invés de apresentar o material na delegacia, os suspeitos revendiam essas armas
para organizações criminais.
Já
a obtenção de armas novas era feita por meio de laranjas. Os investigados
pagavam pessoas sem instrução, geralmente da zona rural das cidades e sem
antecedentes criminais, para tirar o Certificado de Registo do Exército (CR) —
necessário para obtenção do CAC.
Eles
custeavam todo o processo para o laranja conseguir o documento. Garantido o
registro, a pessoa comprava o artefato em lojas especializadas, também ligadas
ao esquema, depois registrava um boletim de ocorrência por furto e dava a arma
como extraviada para que não fosse conectada ao comprador final. Se por alguma
razão, esse procedimento não fosse feito, o número de série era raspado ou
refeito. Oficial da PM há 17 anos, o capitão informou que recebe salário fixo
de R$ 8 mil. Como bens, declarou apenas ser proprietário de um apartamento,
estimado em R$ 700 mil, e possuir R$ 20 mil no banco, em conta poupança.
Seu
estilo de vida, no entanto, era luxuoso. Nas redes sociais, o capitão da PM
exibia fotos em iates, passeios em restaurantes caros e viagens a destinos
turísticos badalados, como a Ilha de San Andrés, na Colômbia.
Mauro
Grunfeld é alvo ainda de um inquérito por homicídio doloso durante o exercício
da função como policial militar. O caso é de 10 de abril de 2013, quando ele
era tenente e comandante de uma guarnição da Ceto (Companhia de Emprego Tático
Operacional) em atuação no município de Santa Cruz Cabrália.
O
registro da ocorrência diz que Grunfeld e outros quatro soldados faziam ronda
noturna na Rua A, no bairro 5º Centenário — local descrito como sede de
"intenso tráfico de drogas". Ao se aproximar da área, a guarnição
teria sido "recebida a tiros por cerca de quatro a cinco indivíduos, sendo
forçada a usar da força necessária, revidando os tiros".
Um
deles seria um jovem de 18 anos, atingido com pelo menos quatro tiros. A
corporação o encaminhou para uma unidade de saúde, mas o rapaz já chegou sem
vida.
Em
depoimentos, a família negou que o rapaz tivesse envolvimento com o crime. O
irmão mais novo da vítima, que viu o jovem ser baleado, defendeu que ele teria
corrido apenas por medo do tiroteio.
A
Polícia Civil concluiu o inquérito sem pedir o indiciamento dos militares. A
instituição remeteu o processo ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), tratando
o caso como "homicídio privilegiado" — termo usado para situações em
que o autor age sob forte emoção ou provocado pela vítima. Esses casos não preveem
uma tipificação diferente do crime, mas implicam redução de pena.
Com
a Justiça, o processo não avançou muito. Ainda em 2013, o MP-BA apontou "a
precariedade e a pobreza dos (pouquíssimos) elementos de convicção colhidos e
acostados aos autos do inquérito policial". Os promotores pediram uma
série de providências, como novo exame no local do fato, juntada de fotografias
do cadáver e esclarecimentos sobre os disparos que atingiram a vítima.
Dez anos depois, o MP-BA reforçou a cobrança, mas não há registro de que a Delegacia de Santa Cruz Cabrália tenha retomado a investigação até o momento. O g1 e a TV Bahia fizeram questionamentos à Polícia Civil, que não retornou o contato.
O que diz a Secretaria de Segurança Pública
A
Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou que o cenário levou a pasta a
fortalecer o trabalho das corregedorias.
Titular
da SSP-BA, Marcelo Werner destacou a criação de um grupo que tem como objetivo
o combate a crimes praticados por policiais, a Força Correcional Especial
Integrada (Force). "Já foram mais de 10 operações somente da Force,
diversos, sem prejuízo das operações realizadas pelas corregedorias próprias”,
disse.
“Respeitando
todo processo legal, uma vez que haja desvio de conduta, prática de crime por
parte do policial, a gente tem sim que fazer investigação e levar eles à
Justiça”, afirmou o secretário. O que diz a defesa dos envolvidos
A
defesa de Mauro Grunfeld negou que o capitão comprava armas e que tenha
qualquer vínculo com facções criminosas. O advogado Domingo Arjones exaltou o
cliente como profissional exemplar e apresentou um certificado de policial
militar padrão emitido em 2023.
Segundo
ele, Grunfeld apenas adquiria munições para uso próprio, com o objetivo de
aprimorar o treinamento.
"Armamento
não, mas munições para uso próprio da atividade policial cotidiana e diária
dele, sim. Ele reconhece isso", disse à TV Bahia.
Questionado
sobre conhecimento do cliente a respeito da procedência dessas munições, o
advogado Domingo Arjones afirmou que Grunfeld tinha conhecimento de que
"estava adquirindo uma munição própria para treinamento".
Quanto
ao inquérito sobre homicídio doloso, o advogado informou que não vai se
posicionar pois não obteve acesso ao processo.
Também
procurada, a defesa de Gleybson Calado do Nascimento, PM suspeito de ser um dos
principais operadores do esquema, disse que impetrou um pedido de habeas corpus
e aguarda o posicionamento do Ministério Público Estadual (MP-BA) antes de se
posicionar.
Fonte: G1- Bahia
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