(*)
Percival Puggina
O
presidente do Senado brasileiro é professor emérito da cadeira de Omissões
Políticas. Na semana passada, porém, ganhou as telas e telinhas manifestando
sua concordância e apoio à proposta de emenda da Constituição que impede
decisões monocráticas do STF sobre matérias aprovadas pelo Congresso Nacional.
Falou bravamente, como resposta às críticas fortes dos ministros Luiz Roberto
Barroso e Gilmar Mendes na abertura da sessão do STF subsequente à aprovação,
pelo Senado, da PEC sobre o tema. A matéria seguiu para a Câmara dos Deputados
onde, nas mãos do alagoano Arthur Lira, passará a integrar seu cacife de poder:
só entrará na Ordem do Dia quando ele quiser.
Não
é incomum que batatas quentes troquem de mãos na “cozinha” das relações entre
Câmara e Senado. Este caso me fez lembrar de outro, anterior. Deu-se num tempo
em que as corporações empresariais da nossa imprensa cumpriam um pouco mais
ajuizadamente seu papel de informar e opinar sobre temas do interesse nacional.
Criou-se, assim, amplo consenso sobre a necessidade de acabar com o tal foro
privilegiado. Membros e ex-membros dos poderes, juristas e cidadãos
esclarecidos identificavam e identificam a prerrogativa como causa de enguiço
no sistema de freios e contrapesos determinado pela Constituição. Por
conveniência ou conivência mútua, graças ao instituto do foro privilegiado,
Senado e STF arrefecem ou, até mesmo, inativam o controle recíproco previsto na
Constituição.
Foi
assim que, em maio de 2017, atendendo clamor popular, o Senado aprovou a PEC
10/2013, extinguindo o que tecnicamente se chama “foro especial por
prerrogativa de função”. O presidente da Casa era o senador Eunício de Oliveira
e a aprovação (surpresa!) foi unânime. Contaram-se 70 votos a favor; uma
senadora que se abstivera, logo após a totalização pediu que seu voto fosse
registrado como favorável. A vitória repercutiu, a nação festejou e a PEC, em
solene séquito de cavalos enfeitados por penachos (como descreveria Nelson
Rodrigues), seguiu caminho para a Câmara dos Deputados, onde se deveria repetir
a deliberação em dois turnos de votação.
Nos
meses restantes de 2017, nada aconteceu com a importante matéria. No ano
eleitoral de 2018, uma Comissão Especial aprovou o fim do foro privilegiado. A
PEC ficou, então, pronta para votação. Só que não. Semi aprovada, virou
almofada na cadeira do presidente Rodrigo Maia. Entrou o ano de 2019 com
grandes expectativas em relação à renovação do perfil do Congresso Nacional,
mas Rodrigo Maia se manteve na poltrona. Periodicamente, ao longo da
legislatura de 2019 a 2023, algum deputado, cioso de suas responsabilidades,
solicitava a inclusão na pauta de deliberação. Em vão. Maia passou o bastão
para Arthur Lira, e nada. Veio o pleito de 2022, a aparente vitória da direita
na Câmara não durou 45 dias, Arthur Lira foi reeleito, lidera também o Centrão
e há quase quatro anos a PEC é almofada da cadeira em que repousa sua
consciência cívica.
Em
tempos como os atuais, quando a nação percebe seus direitos e tem sua liberdade
de expressão contida por quem convive mal com a divergência, é indispensável
libertar as consciências no Poder Legislativo. A intimidação dos representantes
convive com a dos representados, que hoje são reféns, em conjunto com cada
preso político e com cada cidadão cuja liberdade de expressão é tolhida.
Quero
muito estar enganado, mas tenho a impressão de que a imagem da batata quente
trocando de mãos descreve a situação da PEC que limita as decisões monocráticas
do STF contra matérias aprovadas pelo Congresso Nacional.
(*) Arquiteto,
empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia Rio-Grandense de
Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do
Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros
websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do
Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de
jornais.
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