(*) Percival Puginna
Escrevi
certa feita que o Brasil, em sua história republicana, mediante trabalho de
sucessivas alfaiatarias institucionais de má qualidade, veste um corpo social
cuja estrutura tem deformações. Ou seja, o produto final resulta semelhante ao
que acontece quando o alfaiate é ruim e o freguês, digamos assim, está fora do
esquadro.
A
Constituição de 1988, aquela de capinha verde e amarela que Ulysses Guimarães
ergueu com as duas mãos sobre a própria cabeça, reproduz os pecados capitais de
suas antecessoras e acrescenta a elas o excessivo nível de detalhes,
constitucionalizando minúcias e preceitos que poderiam muito bem ser tratados
em legislação ordinária. É possível que os constituintes quisessem aprumar o
corpo social com a multiplicidade de preceitos, mas criaram mais problemas do
que soluções. É por isso que, hoje, dificilmente se pega um jornal que não
tenha, nas chamadas de capa, algum texto mencionando a sigla PEC (Proposta de
Emenda à Constituição). Sempre há algo a ser mexido na Carta de 1988 para que a
vida nacional vá em frente.
Governar
é encaminhar PECs ao Congresso Nacional. Constitucionalismo a marteladas: PEC,
PEC, PEC. Ser candidato é levar no bolso algumas PECs a serem apresentadas se
eleito. Ser parlamentar é propor PECs. As melhores vão para o desterro dos
arquivos mortos; as piores são votadas em regime de urgência, em dois turnos
sucessivos, altas horas da noite.
Sob
o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico, construímos,
aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes
princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no
conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições
de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na
medida da necessidade. Em modo resumido: a União só age naquilo que os Estados
não possam agir; estes só atuam naquilo para que os municípios estejam
incapacitados de atuar; dentro do município, a prioridade das iniciativas flui,
pela mesma regra, para o distrito, para o bairro e para o cidadão.
O
princípio da subsidiariedade, vê-se logo, é um princípio moral, na medida em
que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio
jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um
princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um
princípio de administração porque vai organizar as competências, encurtar os
caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e
orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.
Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo, ouvir os discursos do Lula bancando motorista do caminhão do Huck, quando distribui por aí, em enfeitados frascos publicitários, fragmentos da dinheirama que o poder público coleta em caçambas.
(*) Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de jornais.
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