A
Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, nesta quinta-feira (21),
uma proposta que altera regras para a aplicação da inelegibilidade de políticos
e, segundo especialistas, pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O
foco principal da proposta, segundo os senadores, era diminuir o período em que
políticos condenados ou cujos mandatos foram cassados ficam sem os direitos
políticos.
Apesar
de a legislação atual falar em inelegibilidade por oito anos, em muitos casos a
pena é alargada, já que o prazo só passa a contar após o trânsito em julgado
dos processos.
Uma
brecha no projeto de lei, porém, altera os casos em que a Justiça Eleitoral
pode condenar políticos à inelegibilidade.
O
texto aprovado fala que a perda do direito político só será permitida quando o
condenado por abuso de poder econômico ou político tiver comportamentos que
possam "implicar a cassação de registros, de diplomas ou de
mandatos".
Bolsonaro
e o ex-ministro Braga Netto foram condenados pelo TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) pela prática de abuso de poder político, no caso dos ataques às
urnas em encontro com embaixadores; e econômico, pelo uso eleitoral das
comemorações do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022.
O
ex-presidente não teve cassado seu registro de candidatura não sofreu também
perda do diploma nem do mandato, já que não foi eleito. Segundo a decisão do
TSE, a cassação só não ocorreu pelo fato de a "chapa beneficiária das
condutas abusivas não ter sido eleita".
O
advogado Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, disse à Folha
que a forma como a proposta foi escrita pode abrir brechas para que Bolsonaro
tente anular a inelegibilidade na Justiça.
"No
caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por abuso de poder político nas
eleições de 2022, a inelegibilidade atual não implicou em cassação de registro
ou diploma, uma vez que ele perdeu a eleição. Sob a nova redação, Bolsonaro
poderia recuperar sua elegibilidade", afirmou Márlon.
Ele
destaca que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a inelegibilidade
"não é pena" e que, por isso, pode se "submeter ao princípio da
retroatividade".
"Assim,
caso o PLP 192/2023 seja aprovado como passou pela Câmara e pela Comissão de
Constituição e Justiça do Senado, Bolsonaro poderá pleitear registro de
candidatura na eleição presidencial de 2026", disse o advogado.
O
advogado Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Abradep (Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político), afirma que o projeto de lei "muda
radicalmente alguns entendimentos acerca da Lei da Ficha Limpa".
"A
partir dessa reflexão, é necessário entender se a sociedade brasileira defende
afrouxar algumas regras da Lei da Ficha Limpa. Estamos falando de uma lei que
partiu da iniciativa popular. E também é importante avaliar se isso não é só
uma tentativa casuística de promover a eventual candidatura do ex-presidente
Bolsonaro", disse Renato.
Para
o advogado, não é ideal que o Congresso discuta mudanças na legislação
eleitoral tão próximo do pleito municipal, por mais que as mudanças não afetem
diretamente as disputas de 2024.
"As
pessoas estão interessadas na legislação eleitoral. Estamos em campanha
municipal, e o Congresso Nacional vai discutir um tema desses, que tem
repercussão sobre a nossa democracia, em cima de hora, sem a devida maturação e
análise", afirma.A autora da proposta foi a deputada Dani Cunha (União
Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Ele está inelegível
desde 2016, quando foi cassado pela Casa sob acusação de montar um esquema para
esconder patrimônio no exterior e receber propina.
Em
2022, o STF reverteu decisão da Justiça Federal de Brasília que tornava Cunha
elegível. O ex-deputado acabou impedido de disputar o pleito daquele ano.
Se
a proposta for aprovada pelo Senado, a expectativa é que Cunha retome os
direitos políticos para as eleições de 2026.
O
relator da proposta no Senado é o senador Weverton Rocha (PDT-MA). Ele nega que
o projeto de lei tenha o objetivo de reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.
"Eu
não conheço o caso do Bolsonaro. Não dá para falar de pessoas, não é para
personalizar. Se alguém, ele ou Lula, quem quer que seja, se encaixar em alguma
situação dessa, é o que se trata", disse Weverton.
O
relator defende que o objetivo da proposta era garantir que políticos
condenados ou cassados possam cumprir apenas oito anos de inelegibilidade.
Hoje,
esse período acaba se estendo, já que a perda dos direitos políticos começa na
decisão, e o prazo só passa a contar no trânsito em julgado.
O
texto já foi aprovado pela Câmara e, agora, basta o plenário do Senado dar aval
à proposta para ela seguir à sanção presidencial.
Na comissão, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi um dos poucos críticos à proposta. "A aprovação da Lei da Ficha Limpa foi um grande avanço para a democracia brasileira, pois foram fixados prazos mais rigorosos de inelegibilidade, voltados a proteger a moralidade para o exercício do mandato", disse.
Folha de São Paulo
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