(*) César H. S. Rezende
Uma
das grandes inovações para a agricultura brasileira vem da antiga
Tchecoslováquia e chegou ao país em 1960. Trazida pela engenheira agrônoma,
Johanna Döbereiner, a fixação biológica de nitrogênio (FBN) é uma técnica
essencial para o cultivo de soja e cana-de-açúcar, duas das principais commodities que o
Brasil produz.
Na
década de 1960, em um período em que a agricultura brasileira ainda estava em
fase de modernização, Döbereiner iniciou seus estudos sobre a fixação biológica
de nitrogênio, uma alternativa sustentável ao uso de fertilizantes químicos.
A
fixação biológica de nitrogênio é um processo natural em que o nitrogênio da
atmosfera (N₂) é transformado em uma forma que pode ser
utilizada por plantas e outros organismos vivos, como os seres humanos – o
processo é realizado por certos tipos de bactérias, que podem ser encontradas
no solo ou em simbiose com as raízes de algumas plantas.
Dessa
forma, a FBN permite que algumas plantas, especialmente oleaginosas como
a soja, capturem o nitrogênio do ar e o utilizem diretamente
no solo, reduzindo a necessidade de adubos nitrogenados.
"O programa
brasileiro de melhoramento da soja desenvolveu-se no sentido inverso ao da
orientação dos EUA, que elaborava tecnologias de produção apoiadas no uso
intensivo de adubos nitrogenadas. Os estudos da Dra. Johanna permitiram que a
fixação do nitrogênio pelas plantas fosse feita pela bactéria rhizobium. Dessa
forma, a soja gerava seu próprio adubo", disse a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Graças
ao trabalho de Döbereiner, o Brasil se tornou líder na aplicação dessa técnica,
que hoje é fundamental para o cultivo de soja – uma das principais commodities
exportadas pelo país e da qual o Brasil é maior produtor mundial.
A
expectativa é de que o Brasil produza 169 milhões de toneladas do grão na safra
2024/25, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Principais
commodities que o Brasil exporta
Cana-de-açúcar
e o etanol
A cana-de-açúcar é outro produto agrícola que também foi
beneficiado pela pesquisa da agrônoma. Suas contribuições foram vitais para o
desenvolvimento do Proálcool, o programa nacional que promoveu o uso de etanol
como biocombustível no Brasil.
O Proálcool surgiu no contexto da crise do petróleo dos
anos 1970, quando os preços do petróleo subiram drasticamente e a dependência
do Brasil em relação aos combustíveis fósseis tornou-se uma preocupação.
Nessa
época, o país buscava maneiras de reduzir sua vulnerabilidade às flutuações dos
preços do petróleo e promover uma forma de energia mais sustentável e
renovável. Atualmente, o Brasil é um dos principais produtores de
biocombustível do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e Indonésia.
Um
dos desdobramentos mais recentes do Proálcool foi a aprovação do PL Combustível do Futuro. A nova legislação, que
altera os percentuais de mistura de etanol na gasolina e biodiesel no
diesel, também traz incentivos ao diesel verde e ao combustível
sustentável de aviação (SAF, em inglês).
O projeto aprovado pela Câmara estabelece que o
percentual de mistura de etanol na gasolina será fixado em 27%, com o
Poder Executivo podendo ajustá-lo entre 22% e 35%, de acordo com as condições
de mercado – atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, com um mínimo
de 18%.
No
caso do biodiesel, a mistura atual de 14%, que está em vigor desde março
deste ano, será aumentada gradualmente a partir de 2025, com acréscimos de 1
ponto percentual ao ano, até atingir 20% em 2030
O
avanço das técnicas agrícolas lideradas por Döbereiner resultou em ganhos
significativos de produtividade, fazendo do Brasil um dos maiores produtores e
exportadores de soja e etanol do mundo.
Ao
longo de sua carreira, Döbereiner foi amplamente reconhecida por suas
contribuições à ciência e à agricultura. Ela foi premiada tanto no Brasil
quanto no exterior e, em 1997, seu trabalho de vanguarda a levou a ser indicada
ao Prêmio Nobel de Química, uma das mais altas honrarias no campo científico.
Ainda
que não tenha vencido a premiação, a indicação solidificou sua posição como uma
das mais importantes cientistas de sua época. Döbereiner passou grande parte de
sua carreira trabalhando no Centro Nacional de Pesquisa em Agrobiologia da
Embrapa, onde liderou pesquisas de ponta que até hoje moldam as práticas
agrícolas no Brasil.
"O
trabalho da Dra. Döbereiner permitiu o desenvolvimento de parcerias nacionais e
internacionais com a Alemanha, os Estados Unidos e a Bélgica, assim como com
outros países no qual a Embrapa Agrobiologia é considerada centro de
excelência", afirmou a Embrapa.
Sua
contribuição para a ciência, combinada com sua visão de um sistema agrícola
mais sustentável, continua a impactar a agricultura no Brasil e no mundo. Além
disso, seu trabalho foi fundamental para popularizar a agricultura de baixo
carbono, colocando o Brasil na vanguarda da produção sustentável.
(*) Repórter de agro e macroeconomia
Fonte: Artigo publicado pela revista Exame
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