Uma tonelada de cocaína embaixo da cama: investigação da BBC encontra inglês suspeito de caso que levou brasileiros inocentes à prisão

 




Combate ao Crime (National Crime Agency, NCA) do Reino Unido antes da saída do veleiro do Brasil.


Mas as coisas pareciam - momentaneamente - estar mudando.


Em agosto de 2018, Fox foi preso na Itália, e as autoridades brasileiras entraram com um processo de extradição para que ele fosse enviado ao Brasil para responder às acusações no caso.


Mas a papelada chegou tarde demais, e Fox foi libertado - para grande frustração do delegado brasileiro André Gonçalves. Gonçalves, que atua na Bahia e investigava o caso, temia que o britânico desaparecesse e se convertesse em fugitivo.


O delegado conta que sua equipe havia mantido Fox e o Rich Harvest sob vigilância no Brasil por um bom tempo. A polícia brasileira acredita que as "reformas" que foram realizadas no barco tinham em parte o objetivo de instalar compartimentos secretos na embarcação. As autoridades brasileiras acreditam que as drogas foram carregadas antes de os velejadores brasileiros serem contratados.


Gonçalves admite que, em um primeiro momento, desconfiou que os quatro velejadores também estariam envolvidos. "Se uma pessoa está em um barco cheio de drogas, você acha que essa pessoa deve ter algo a ver com isso", diz.


Mas acrescenta que, ao investigar seus antecedentes, não encontrou nada que os ligasse previamente ao mundo das drogas ou a Fox.


"Quanto mais fundo eu ia, ainda não conseguia encontrar uma conexão. Mas, ao mesmo tempo, isso fortalecia as evidências que tínhamos contra o Fox."


As declarações de inocência dos velejadores também foram reforçadas por uma fonte inesperada: o britânico Robert Delbos, o homem que, segundo a polícia brasileira, teria coordenado a reforma do barco.


Delbos, 71 anos, foi condenado por tráfico de drogas no Reino Unido em 1988 e cumpriu pena de prisão de 12 anos. Ele tentou contrabandear 1,5 tonelada de maconha para o país.


Antes de o Rich Harvest partir do Brasil, policiais sob as ordens de Gonçalves observaram Delbos supervisionando o início das reformas do veleiro.


Inicialmente, suspeitaram que se tratasse da instalação de compartimentos secretos na embarcação, e por isso entraram com um processo de extradição na mesma época em que pediram a extradição de Fox.


Delbos passou alguns meses em uma prisão de segurança máxima no Brasil aguardando julgamento, mas alegou que as drogas também haviam sido colocadas no barco em um momento posterior, sem o seu conhecimento.


Ele foi absolvido após a Justiça decidir que não havia elementos para comprovar que ele sabia dos planos de traficar as drogas.


Em entrevista à BBC, Delbos afirmou que até mesmo os traficantes de drogas possuem códigos de ética, e que Fox os havia violado ao ludibriar os velejadores e usá-los como mulas, sem que eles soubessem, em vez de contratar contrabandistas profissionais.


"Isso é ultrapassar totalmente o limite", disse. “Isso não se faz."


"Ele (Fox) era um homem estúpido e ganancioso. Em vez de pagar a tripulação direitinho e contratar contrabandistas profissionais, ele contratou quatro caras inocentes."


À medida que cresciam as dúvidas sobre a culpa dos velejadores, suas famílias iniciaram uma campanha pela sua libertação, que ganhou corpo e deu visibilidade ao caso no Brasil.


Em 2019, a Justiça de Cabo Verde anulou as condenações, e os brasileiros finalmente puderam voltar para casa.


Fox, por sua vez, voltou para o Reino Unido e nunca foi julgado.


Aos 41 anos, Fox vive em uma casa nos subúrbios de Norwich, no leste da Inglaterra, cidade onde cresceu, frequentou a faculdade e se tornou um exímio velejador amador, habituado a explorar a variada costa do Condado de Norfolk. Ele é empresário e dono de uma empresa imobiliária.


Em março do ano passado, Fox fazia parte de uma associação empresarial local. Em suas redes sociais, chegou a publicar uma foto posando ao lado do então prefeito da cidade, James Wright (é importante ressaltar que não existe nenhum elemento para sugerir que o prefeito tivesse conhecimento das acusações contra Fox).


A BBC abordou o empresário quando ele chegava a um hotel de Norwich para um café da manhã organizado semanalmente pela associação empresarial da qual fazia parte.


Fox se recusou a comentar sobre o Rich Harvest e o sofrimento causado aos velejadores inocentes. Questionado sobre as alegações de que seria um traficante de drogas, respondeu: "Não sou".


Um porta-voz da agência britânica de combate ao crime, NCA, disse que se a polícia brasileira ainda quiser levar o caso adiante, terá de entrar com um pedido de extradição.


O Ministério da Justiça do Brasil afirmou que não comenta casos individuais.


Enquanto isso, Rodrigo Dantas e Daniel Guerra estão tentando reconstruir suas vidas no Brasil, tendo há muito tempo abandonado seus sonhos de se tornarem capitães de barcos.


Rodrigo conta que, ao voltar para casa, teve dificuldades para encontrar trabalho como velejador, porque potenciais empregadores continuaram desconfiando de sua inocência.


Já Daniel afirma que suas ambições prévias de dar a volta ao mundo em um veleiro "ficaram trancadas em Cabo Verde".


Ele diz que perdeu a capacidade de confiar nas pessoas, uma qualidade vital para superar os percalços de uma longa viagem oceânica.


Mesmo agora, diz que ainda se pergunta quem era realmente Fox - aquele britânico "bacana" a quem se sentiu tão grato, cujo anúncio de emprego virou sua vida de cabeça para baixo.


Daniel diz que "gostaria muito de ver a justiça ser feita", mas não deseja encontrar Fox nunca mais.

 

Fonte: BBC News Brasil


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