O
ex-âncora do Jornal Nacional Cid
Moreira deserdou os filhos Rodrigo e Roger Moreira. A informação veio
à tona após a morte do apresentador na última quinta-feira, 3, aos 97
anos. Ao receberem a notícia de que foram excluídos do testamento, os
filhos do jornalista entraram com um pedido de abertura do inventário do pai
reclamando da decisão. Segundo a defesa de Rodrigo e Roger Moreira, o patrimônio do apresentador seria de R$ 60 milhões (R$
40 milhões em imóveis e R$ 20 milhões em contratos de direitos autorais
inicialmente).
A
situação gerou uma disputa pela herança. A regra do direito sucessório na
lei brasileira prevê os descendentes, ascendentes e o cônjuge como herdeiros
necessários, ou seja, que obrigatoriamente receberão 50% do patrimônio
deixado pelo falecido. Por isso, os filhos buscam anular o testamento.
A
metade disponível da herança (a parte que não é destinada aos herdeiros
necessários) pode ser distribuída. “Nesse caso, ele pode deixar essa parcela a
outras pessoas, excluir o familiar indesejado dessa parte ou destiná-la a
instituições ou outras finalidades. Prever cláusulas restritivas, como
cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade ou impenhorabilidade, para
evitar que o familiar tenha controle sobre os bens herdados”, explica a
advogada Aline Avelar, especialista em Direito das Famílias e Sucessões,
Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório. Existem casos em que é
possível deserdar um herdeiro?
Há
exceções à regra aplicada nas heranças, em que os herdeiros necessários podem
ser excluídos da partilha da herança. A previsão é de que isso aconteça nos
casos classificados como:
Indignidade: pode
ser configurada em casos como quando o herdeiro necessário for autor de
homicídio doloso contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente, explica Ana Clara Martins Fernandes, advogada
especialista em direito de família e planejamento patrimonial e sucessório no
Briganti Advogados Associados. “Um exemplo notório de indignidade foi o caso de
Suzane von Richthofen, que dolosamente provocou a morte dos pais para ter
acesso à herança”, cita a advogada.
Deserdação: pode
ocorrer em casos como o de ofensa física, injúria, relações ilícitas e
desamparo.
Como
excluir uma pessoa do testamento?
A
exclusão da herança nos casos previstos - tanto de indignidade, quanto de
deserdação -, não é automática e depende de uma ação judicial.
“Essa
ação deve ser proposta pelo interessado na sucessão, no prazo de até quatro
anos contados a partir da abertura da sucessão (falecimento do autor da
herança). Nesse processo, é necessário comprovar a indignidade do herdeiro ou
legatário para que ele seja excluído da sucessão”, diz a especialista.
No
caso da deserdação, apenas o autor da herança pode indicar a exclusão de seu
herdeiro necessário. Para tanto, é necessária declaração expressa por meio de
testamento, no qual o autor especificará as razões que justificam a deserdação,
com base nas hipóteses previstas em lei. Foi dessa forma que Cid Moreira
excluiu os filhos de seu testamento.
Após
o falecimento, o interessado na sucessão deverá ajuizar uma Ação de Deserdação,
também no prazo de quatro anos, para que a exclusão seja confirmada
judicialmente.
“Recentemente,
a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou que o autor da
herança, ainda em vida, promova uma Ação de Produção Antecipada de Provas para
justificar uma futura deserdação de um herdeiro necessário. Essa medida visa
fortalecer a fundamentação da futura Ação de Deserdação, a ser ajuizada pelos
interessados após o falecimento do autor”, acrescenta Fernandes.
Outras
formas previstas em lei, que indiretamente excluem herdeiros de parte da
herança, são a doação do patrimônio em vida e a criação de uma holding familiar ou trust. “Em
relação às doações, quando realizadas de forma excessiva, podem ser
posteriormente colacionadas na partilha para garantir a reserva da legítima dos
herdeiros necessários”, pondera Avelar.
Já
com uma holding, o controle e a administração dos bens são estruturados de
maneira a limitar o acesso de determinados familiares.
Herdeiros
podem contestar a decisão?
Nos
casos previstos - tanto de indignidade, quanto de deserdação -, o herdeiro
excluído tem direito ao contraditório e à defesa no processo judicial, devendo
demonstrar que a causa alegada para a deserdação não é verdadeira ou não se
enquadra nas hipóteses legais para ser readmitido ao patrimônio da partilha.
“A
contestação judicial serve como um mecanismo de controle para evitar que
decisões tomadas em vida por ressentimento, má-fé, erro ou sem fundamento
causem um impacto desproporcional nos direitos dos herdeiro”, afirma a
advogada.
Ainda
em vida, se o autor da herança perdoar expressamente o herdeiro que cometeu o
ato de indignidade, por meio de um testamento ou outro ato autêntico, o
herdeiro poderá ser reintegrado à sucessão e receber sua parte na herança.
Como
fica o caso dos filhos de Cid Moreira?
A
relação de Cid com os filhos sempre foi conturbada. O jornalista se afastou de
Rodrigo desde sua separação de Olga Verônica Radenzev, encontrando-o poucas
vezes enquanto ele crescia. Já Roger, adotado pelo apresentador aos 20 anos,
revelou ter sido deserdado pelo pai adotivo após se assumir homossexual.
Ambos
os filhos entraram com dois processos contra o pai. O segundo foi em 2021,
quando pediram a interdição de Cid Moreira e a prisão de Fátima Moreira,
alegando que a madrasta teria transferido cerca de R$ 40 milhões do marido para
a própria conta e de parentes, além de ter vendido diversos imóveis do cônjuge
e supostamente mantê-lo em cárcere privado. Tanto Cid quanto Fátima negaram as
acusações. Roger e Rodrigo perderam os processos.
A
defesa de Fátima Sampaio, viúva do apresentador, informou ao Estadão que
o pedido de deserdação e exclusão de Rodrigo e Roger do testamento de Cid foram
feitos pela indignidade prevista no Código Civil e chama de “ações infundadas”
os embates promovidos pelos filhos do apresentador.
No
pedido de abertura de inventário, Rodrigo afirma ter “resquícios psicológicos
da falta do pai” e realizar acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Já Roger
diz que o pai o “deixou em uma situação muito vulnerável, que continua até
hoje”. O advogado dos dois pede R$ 100 mil como valor da causa até que seja
apurado o patrimônio de Cid.
A
defesa dos irmãos alega que Fátima não teria direito à herança do apresentador
por ter se casado em regime de separação total de bens. Por sua vez, a defesa
da viúva alega que “justamente por isso, ele (Cid) manifestou em
testamento público, motivadamente, a vontade de deserdar os dois filhos, com
base na indignidade prevista no Código Civil brasileiro, excluindo-os da
sucessão”.
O
advogado especialista em Direito de Família e Sucessões e sócio do escritório
Sousa & Rosa Advogados, Kevin de Sousa, explica que, no caso dos filhos de
Cid Moreira, a Justiça tende a ser rigorosa ao analisar testamentos que
deserdam herdeiros necessários pela proteção que a legislação civil oferece a
esses familiares. “O abandono afetivo, por exemplo, pode gerar uma ação de indenização
por danos morais, mas não é um motivo legítimo para excluir um herdeiro da
sucessão”, diz.
Por
isso, o advogado entende que, ainda que o testamento seja válido e atenda às
exigências legais, Roger e Rodrigo têm o direito de questionar essa exclusão judicialmente.
“A análise desses casos geralmente envolve uma investigação minuciosa dos
fatos, das circunstâncias e das provas apresentadas. Esses processos costumam
ser longos e complexos, com uma forte análise de questões patrimoniais e
morais”, diz.
Fonte: Estadão
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