Governo da Bahia descumpre promessa e, após mais de 15 anos, criação de Museu Frans Krajcberg segue sem previsão

Krajcberg em sua casa em Nova Viçosa | Foto: Reprodução / Revista Prosa Verso e Arte


(*) Thiago Teixeira

Quando o pintor, escultor, fotógrafo e ambientalista polonês Frans Krajcberg doou seu acervo ao governo da Bahia, em 2009, só impôs uma condição: que suas obras — divididas entre esculturas, relevos, desenhos, fotografias e filmes — fossem abrigadas em um museu a ser criado pela gestão estadual.

O então governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), havia prometido que a contrapartida do artista, radicado no município de Nova Viçosa, no Sul baiano, seria atendida. No entanto, mais de 15 anos passaram — com eles, três governadores diferentes —, Frans Krajcberg faleceu em novembro de 2017 e seu museu ainda não saiu do papel.O BNews Premium apurou que a promessa ainda está nos planos do governo da Bahia, que pretende honrar o compromisso com o polonês. No entanto, de acordo com o secretário da Casa Civil da Bahia, Afonso Florence (PT), existem diversas prioridades nas áreas da cultura e da educação e ainda não há previsão para o início das obras.
“Esse é um compromisso que o governo da Bahia assumiu com Krajcberg. É um desafio muito grande que ainda não foi de todo vencido. É um acervo muito rico, volumoso e caro. Por isso, nós estamos em processo de estudo para dar uma providência que seja definitiva. Nesse momento nós não temos [previsão para construção do museu]. Estamos estudando várias possibilidades, mas ainda não temos”, destacou Florence ao BNews.

Além de Jaques Wagner, os trâmites para a criação do espaço passaram por Rui Costa (PT) e seguem atualmente durante a gestão Jerônimo Rodrigues (PT). Em fevereiro de 2013, ainda na época de Wagner, foi aprovado um Projeto de Lei (PL) na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) que previa a criação da Fundação-Museu Artístico Frans Krajcberg.Na época, o então governador chegou a ligar para o artista para dar a notícia. Wagner simpatizava com a história de Frans Krajcberg, sobretudo, por ambos serem judeus. Ele chegou a visitar o artista plástico, em agosto daquele ano, após o polonês sofrer um infarto e ficar duas semanas internado no antigo Hospital Espanhol — atual Hospital 2 de Julho —, em Salvador.
"É com honra e satisfação que criamos a fundação que homenageia um homem que lutou pela liberdade, sofreu com a perseguição na Segunda Guerra Mundial e dedicou a sua vida à arte e ecologia. Faremos da sua obra e do próprio museu motivos de orgulho para o povo baiano, além de incentivo e símbolo da educação artística e ambiental”, afirmou Wagner na época da aprovação do projeto do museu.

A ideia do governo da Bahia era construir um museu amplo para abrigar e preservar as obras do polonês no sítio Natura, em Nova Viçosa. Além disso, havia a previsão de que a instituição também ganhasse um espaço em Salvador, no bairro de Ondina. No entanto, nada disso foi adiante.O BNews Premium apurou que o acervo de Frans Krajcberg ainda não foi totalmente catalogado e, devido a isso, o governo da Bahia ainda não sabe precisamente a quantidade de suas obras. Porém, à época da doação, a estimativa era de que o acervo consistia em mais de mil esculturas, relevos, desenhos, fotografias e filmes.

Além da Bahia, as obras do polonês estavam sendo disputadas por outros estados brasileiros — como Rio de Janeiro e São Paulo — e até outros países, como Portugal. No entanto, pesou o desejo de Krajcberg de manter sua arte “viva” em seu sítio Natura, em Nova Viçosa, onde vivia desde a década de 1970.
"Quero que tudo o que eu fiz fique no estado da Bahia para sempre e crescendo, para lutar pela saúde do planeta. A Bahia é importante porque minha luta começou aqui. Moro em um dos últimos pedaços da floresta mais linda e rica do planeta, em Nova Viçosa", afirmou o artista em 2013.

Atualmente, as obras de Krajcberg estavam sendo mantidas em seu sítio pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) — unidade vinculada à Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBa). No entanto, em 2022, todo o acervo foi transferido de Nova Viçosa para o Museu Wanderley Pinho, na localidade de Caboto, em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

O governo da Bahia justificou a mudança devido a estrutura do museu em Candeias ser coberta, ampla e mais segura, além da necessidade de acelerar o processo de descupinização de grande parte das obras, que estava ocorrendo após a instalação de uma bolha com vedação hermética.

O que diz o governo da BahiaO BNews Premium questionou o governo da Bahia sobre o cumprimento da promessa e a criação do museu Krajcberg. Por meio do Ipac, a gestão estadual respondeu que tem atuado na conservação, salvaguarda e preservação do acervo e dos bens de polonês desde a sua doação, mas afirmou que não há previsão para o início das obras.
“Embora não haja previsão para criação imediata de um Museu Krajcberg, o Ipac irá abrir, em breve, um espaço expositivo destinado às obras do artista em um dos museus geridos pelo instituto. O Ipac também realizou uma proposta de acordo com o município de Nova Viçosa, visando viabilizar a abertura do sítio para visitas programadas”, afirmou o instituto.

O Ipac destacou o acervo de Krajcberg impôs inúmeras dificuldades, em razão das peculiaridades e do volume das obras, mas que vem adotando as medidas necessárias para a sua preservação e dinamização, com diversas ações que vão desde a catalogação a serviços de higienização e descupinização das mesmas.

Ainda por meio de nota, a autarquia explicou que, embora a doação do acervo tenha ocorrido em 2009, foi feita sem o arrolamento das obras — processo que consiste na catalogação, especificação e prova da titularidade dos bens. Com isso, “as obras eram mantidas em poder do artista, que, em vida, jamais permitiu que o Ipac inventariasse o acervo doado”.
“Assim, apenas em 2017, logo após o falecimento de Krajcberg, o Ipac iniciou a primeira etapa de inventário e catalogação das obras. Entre fevereiro e março de 2018, o Ipac deu continuidade ao trabalho de inventário de todo o acervo, incluindo as obras de arte, mídias, artesanato, equipamentos e publicações”, afirmou a autarquia.

Já em 2019, a instituição firmou contrato com a empresa Tecnocret Engenharia LTDA para a realização do levantamento topográfico, planialtimétrico e cadastral do Sítio Natura. Após isso, em parceria com o Instituto Pedra, foi realizada uma segunda etapa de detalhamento do inventário, higienização preventiva e acondicionamento emergencial do acervo completo.
“Desde o início do ano de 2022, o Ipac está dando continuidade às ações de salvaguarda e preservação das obras de Krajcberg, a partir da catalogação e identificação conforme espaço, dimensão e tipo de obra; logística de organização e deslocamento das peças; elaboração de laudo individual; além de registro videográfico”, destacou o Ipac por meio de nota enviada ao BNews Premium.Quem foi Frans Krajcberg

Frans Krajcberg nasceu em 12 de abril de 1921 na Polônia, em Kozienicé, uma pequena cidade localizada a cerca de 210 km ao sul de Varsóvia. Vindo de uma família judia, modesta e numerosa — cinco irmãos —, o seu pai era vendedor de sapatos e sua mãe, Bina Krajcberg, uma conhecida ativista comunista dentro do partido polonês.Na década de 1930, o Partido Comunista e os livros considerados tendenciosos foram proibidos na Polônia. Frequentemente presa, Bina liderava uma luta inabalável contra o nazismo e foi enforcada em 1939, quando a Segunda Guerra Mundial teve início.

Devido a isso, Frans Krajcberg buscou refúgio na União Soviética, onde estudou engenharia e artes na Universidade de Leningrado. Ao final da Segunda Guerra, ele chegou a morar na Alemanha prosseguindo seus estudos na Academia de Belas Artes de Stuttgart.

Chegou ao Brasil em 1948, vindo a participar da primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Ele ficou anos morando entre as cidades de Paris, Ibiza e Rio de Janeiro, até que seu amigo, José Zanini Caldas, lhe falou sobre a pequena aldeia de Nova Viçosa, no Sul da Bahia, em 1965.Porém, somente lá em 1972 que o artista plástico se muda para o município baiano, onde se radicou, após uma vida permeada pela produção e participação da cena artística em diversas localidades, incluindo Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.

Krajcberg ficou conhecido como o artista que adotou a floresta brasileira por ter sido capaz de unir arte e meio ambiente num trabalho que foi além do encantamento. No Brasil, elaborou 11 manifestos nacionais, mais de 50 gritos públicos e publicou 14 livros. Durante a carreira, Krajcberg participou de 206 exposições coletivas entre 1950 a 2016 em 33 países, promoveu 92 exposições individuais entre 1945 a 2012 em 28 países e recebeu mais de dois mil prêmios.

Ele morreu no dia 15 de novembro de 2017, aos 96 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. Na época, a família não permitiu a divulgação da causa da morte. Krajcberg foi sepultado em Nova Viçosa e suas cinzas estão ao pé da árvore que considerava sua melhor amiga e que fotografou diariamente durante anos.  


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