O Emburrecimento de uma Nação: Reflexões sobre o ENEM 2024


(*) Taciano Medrado

 

A educação é, há muito tempo, considerada a pedra angular de qualquer sociedade que almeje progresso, equidade e desenvolvimento sustentável. No entanto, os números recentes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2024 trouxeram à tona uma realidade alarmante: apenas 12 redações alcançaram a nota máxima, e dentre esses, apenas uma única  estudante da rede pública, em Minas Gerais, conseguiu alcançar maior resultado. um reflexo da piora em relação ao ano anterior. 


Essa estatística não pode ser vista como um dado isolado, mas como parte de um problema sistêmico que assola o Brasil. Estamos testemunhando, pouco a pouco, o emburrecimento de uma nação.


Esse fenômeno não surge do nada. Ele é resultado de um conjunto de fatores que se entrelaçam e retroalimentam. A precariedade das escolas públicas, a falta de valorização dos professores, e a ausência de políticas educacionais consistentes formam o alicerce de um sistema educacional em colapso. 


Enquanto países desenvolvidos tratam a educação como prioridade estratégica, o Brasil parece relegá-la a um plano secundário, refém de interesses políticos e econômicos que pouco se importam com a formação cidadã.


O desempenho no ENEM, especialmente nas redações, é um espelho da capacidade dos estudantes de articular ideias, compreender o mundo ao seu redor e propor soluções para problemas reais. O tema das redações em 2024 pode ter sido desafiador, mas não deveria ser um obstáculo intransponível para jovens que passaram anos na escola. 


Por que, então, tão poucos conseguem atingir a excelência? 


A resposta é complexa, mas passa pela banalização da leitura, pela falta de incentivo ao pensamento crítico e pela ausência de estímulos para a formação de argumentadores competentes.


Redes sociais - a grande vilã

 

A  influência da cultura digital e a superficialidade que ela impõe às relações humanas e ao aprendizado são fatores principais por esse desastre na educação brasileira. Hoje, os jovens passam horas nas redes sociais, consumindo conteúdos fragmentados que não exigem reflexão profunda. O tempo que poderia ser dedicado à leitura de livros, ao estudo de temas complexos ou à prática de escrita é, muitas vezes, substituído por interações efêmeras e pouco enriquecedoras. 


Os jovens estão perdendo a capacidade de escrever, as escritas estão cada vez mais ilegíveis e não passam de Hieróglifos indecifráveis. É claro que a tecnologia não é o problema em si, mas a forma como ela é usada revela o descaso com a formação cultural e educacional.


Desprezo crescente pela intelectualidade 


O Brasil vive uma crise de valores em que o conhecimento deixou de ser visto como um bem essencial. A busca por soluções fáceis, o culto ao pragmatismo raso e a desvalorização da ciência contribuem para um cenário em que ser culto e bem articulado é quase um ato de resistência. 


Como esperar que os jovens priorizem a educação se o exemplo dado pela sociedade é o oposto?


Não é apenas o ENEM que perde com isso. É o país inteiro. Uma nação que negligencia a educação condena a si mesma a um ciclo vicioso de desigualdade, pobreza e estagnação. O fracasso educacional não se limita à sala de aula: ele se reflete nas escolhas políticas, nas relações sociais e na capacidade de competir em um mundo globalizado.


Mas há saídas. Precisamos, urgentemente, de uma reformulação no sistema educacional brasileiro. Isso inclui a valorização dos professores com salários dignos e formação continuada, o investimento massivo em infraestrutura escolar, e a criação de políticas públicas que estimulem o hábito da leitura e o pensamento crítico desde a infância. Além disso, é necessário promover um pacto nacional em torno da educação, que transcenda governos e partidos.


O emburrecimento de uma nação não é inevitável, mas exige vontade política e engajamento da sociedade para ser revertido. 


Precisamos urgentemente recuperar o orgulho de sermos um país que valoriza o saber e a cultura. Caso contrário, corremos o risco de consolidar o fracasso como norma e condenar futuras gerações a uma realidade ainda mais sombria. 


O ENEM 2024 é um alerta. Resta saber se seremos capazes de ouvir e agir antes que seja tarde demais.


(*) Professor  e Psicopedagogo 

 

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